domingo, 21 de junho de 2015

A curvatura de suas costas





Aninha é uma garota esperta. Mais ou menos. Fez faculdade e tem um emprego sem graça. É engajada com a questão do meio ambiente e adora programas culturais. Ainda contribui com o jornal da universidade. De modo geral, não é má pessoa.

Quando recebeu um e-mail muito elogioso sobre sua produção literária, seu ego, naturalmente do tamanho de uma maçã, inflou-se até parecer uma jaca. Respondeu cheia de palavras bonitas e tratou logo de adicionar Bruno no facebook.

Os próximos fatos se deram na seguinte ordem: descobriu que ele era solteiro, passou a achar que ele era bonito, achou suas fotos divertidas, passou a achar seus posts engraçados, passou a achar seus poemas bons. Ficou a fim.

Aninha se esqueceu de que o facebook é uma vitrine de nada e que e-mails escondem as entrelinhas. Coitada, era esperta, mas não tinha bola de cristal. Como poderia saber que as opiniões que tanto a atraíam em seu pretendente eram todas roubadas? Como saber que aquele homem que curtia páginas como Frieda explica, se precisar repete passara seus 27 anos de vida com as costas curvadas, compenetrado nas peculiaridades do próprio umbigo, sendo que agora, nem que quisesse, e não queria, seria capaz de levantar os olhos e apreender a existência de outro ser humano? Nem mesmo o amor seria capaz de endireitar as costas daquele homem porque esse sentimento ele só tinha e só queria ter pelo próprio umbigo.

domingo, 14 de junho de 2015

Thiago. Com TH.


Bruno estava chateado. O mundo não andava legal. Na flor da idade, músico, poeta, feminista. E sem ninguém descolado com quem conversar. Michele, a estagiária tatuada em locais estratégicos, havia partido dessa pra uma melhor. Não, não. Ela só fora contratada por outra empresa. O pessoal da análise de crédito era muito coxinha. Bruno gostava de ser visto com eles, afinal, era um homem flexível, capaz de transitar com graça entre vários grupos. O problema era que eles não diziam nada que pudesse ser reproduzido. E também, Bruno sempre perdia na argumentação política.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Com sentimento




Não tinha superstições muitas. Sempre se considerara uma pessoa lúcida. Certa tarde por um descuido sob a água corrente, sua aliança se foi pelo ralo. Pouco se importou, feito de latão, aquele objeto era apenas mais uma tentativa fracassada de ser bem sucedido na arte da pegação. No escritório notava como as mulheres sempre corriam atrás dos casados, principalmente Daniel. O que é que tanto viam naquele cara sem graça? Ele não era forte, não era rico, não era nada. Mesmo assim a mulherada caía matando. Malaquias não entendia. A verdade é que quem carrega uma mala no nome não pode ter um bom destino.

O famigerado Malaquias não aguentava mais ficar sozinho. Não que quisesse uma companheira, queria uma apenas uma cavidade aquecida que não custasse tanto. Nas semanas seguintes à do pagamento passava seu tempo entre sites sobre carros, esportes, aqueles restritos a maiores de 18 anos e finalmente, a cereja do bolo, sites de sedução, nos quais procurava aprender como se tornar um macho alfa.

Destituído de sexo, pobre Malaquias não parava de ler artigos sobre como atrair mulheres. Infelizmente, suas leituras resultavam infrutíferas, já que os argumentos sobre leis da atração e psicologia feminina eram no mínimo inverídicos e a lógica de seus autores, inexistente.