sábado, 22 de julho de 2017

Como clichete



Poema visual de Philadelfo Menezes

O trabalho engole a gente. Engole, não. Mastiga. E depois cospe. E a gente não sabe mais o que é perna, braço, cotovelo. Não sabe mais o que é gente. Se é gente.

E no trabalho a gente pede mais. Olha essa parte macia, delicada. Pronta pra ser engolida. Mas eles nunca engolem. A gente nunca pertence.

Fazem a gente querer pertencer. Senão é chutado pra fora. Senão não é bom o suficiente. Se não vai morrer de fome.

Trabalho é objeto de consumo.

Que a gente consome e quer consumir pelo medo.

O trabalho faz a gente querer ser mastigado, pedir pra ser mastigado. E quando percebe que não está sendo mastigado o suficiente, a gente fica com medo de não ser mastigado nunca mais.

E passa a vida tentando ser mastigável. Fazendo curso de mastigação para business. De comunicação mastigável.

Tem umas pessoas que parecem que não sabem, ou sabem demais, ou fingem não saber.

Elas não são mastigadas. São flexíveis. Se grudam nos dentes como chiclete e deixam a mordida ainda mais dura.

Acham que fazem parte, se sentem parte e se não der certo, vão ser parte em outro lugar.

Enganam talvez a si mesmas e aos outros. Ou talvez não enganem ninguém.

Quem descobre que é mastigado e que sempre pediu pra ser mastigado não sabe olhar pra essas pessoas. Tem raiva, inveja e orgulho.

Orgulho de ficar preso entre dentes por não saber aceitar.

Um orgulho do medo, da negação, do aprender-se mastigado e não ter sobrado nada. Nem uma parte sem marca de mordida.

A consciência da miséria.