Um homem a convidara para sair. Insistentemente. Isso fez com que ela se sentisse ainda mais grotesca. Ele era interessante e falava sobre o que faria com seu corpo quando estivessem juntos. Isso a excitou e enfureceu.
Odiava-o enquanto observava sua pele marcada no espelho. Não tinha coragem de olhar para o próprio corpo. No banho, sentia-se desconfortável, uma pressão leve na espinha. Não queria se tocar, ser lembrada do que era, de como era.
Nas poucas vezes em que se masturbava, compunhas pessoas impossíveis e quando sua própria imagem insistia em aparecer, mordia o travesseiro com nojo.
Ao vestir algo que ficava bem, sentia-se uma farsante, qualquer homem que a olhasse estaria sendo enganado e teria todo o direito de humilhá-la quando descobrisse a mentira.
Nas ocasiões em que nada era capaz de esconder a verdade de suas formas, sentia-se envergonhada por forçar aos outros tamanha abominação. Encolhia-se e tentava não se mexer tanto quanto possível.
Compreendia o absurdo de sua realidade. Havia mulheres muito mais feias que ela. Notava olhares em sua direção. Nada disso, no entanto, sobrepunha-se à sua certeza mais essencial. Não valia a pena, era, de fato, grotesca. Nunca seria escolhida, admirada, amada. Qualquer indício de afeto ou desejo em relação a ela eram apenas caridade. Ou engano.
Odiava-se ainda mais ao perceber-se incapaz de esconder seus medos, forçando as pessoas a olharem para ela, a tentarem faze-la sentir-se menos mal, porque elas eram boas.
Tentava em demasia encenar a aceitação. Pintava as unhas, mesmo sabendo-se ridícula a cada pincelada. Usava maquiagem procurando esconder expressões que revelassem seu segredo. Via seres o tempo todo preocupados com a aparência, o peso. Calorias, cortes de cabelo. Academias lotadas. Geração saúde, claro. O que importa é o que parece, nunca o que é. No fundo sabia que todos se odiavam e passavam a vida tentando acreditar no que fingiam ser. Quando tudo ficava intenso demais, como se pudesse encolher até a inexistência, abraçava-se, as unhas vermelhas quase rompendo a barreira da pele. Quase. Não era prudente ter marcas no corpo.
Saiu com aquele homem. Fingiu tanto quanto sabia. Aquelas mãos em sua pele, agradável. Reproduziu gestos, sons, deleites, como a maionese, pensou e quis rir da falta de graça de tudo. Ele parecia satisfeito. Não. Aliviado. Ela sabia que sua presença ali era indiferente. Assim como ele era apenas mais um em sua vida, ela também não passava disso. Melhor.
Sonolenta, repetindo tédios de todos os dias, lembrava-se de como ele a olhara, muito mais do que os outros. E a vergonha e desconforto voltaram como se ele a olhasse de novo naquele momento. Sentiu-se suja mais uma vez, odiava-se por ousar fazer com aquele corpo tudo o que quisesse. Aquele corpo tão errado. Queria vomitar, foi ao banheiro, segurando seu estilete. Sozinha enfim, abriu as pernas, acariciando as coxas com a lâmina. Toques cada vez mais lentos, cada vez mais íntimos. Quando o sangue escorreu pela terceira vez, sentiu-se completa. Finalmente a dor de fora equiparava-se à de dentro. O melhor, aparências mantidas.
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