Sara carregava as pedras. Ela talvez fosse forte porque, apesar de não ficar em pé, ficava ali, resistente. Não que servisse para muito, pedras são sinuosas. Ficavam todas em Sara, mas continuavam por aí, no mundo. O dobro de dor numa dor só.
Ela pedia mais, queria mais e buscava mais. Quando não achava, sentia um vazio pior que qualquer toda dor do mundo. Um buraco e ela não sabia viver sem preencher os seus.
Vivia carregando 458 pedras, das que vieram depois, perdeu as contas. Ia se arrastando, esforçando-se para as pernas não quebrarem, para as pedras não caírem, para manter a cabeça erguida à procura.
Os passos estavam ali, mas quem olhasse veria falta de movimento. Se olhassem para sempre, veriam passos milenares. Curtos, com pés que quase não se levantam.
Adorava pedras. Para outros, pareceriam todas iguais; para Sara, cada uma era singular e todas igualmente belas. Muitas pedras. Desamor. Era quase um vício, como os outros. Buscava o sofrimento, mas não suportava senti-lo, então, as substâncias.
Andava exibindo seu casaco de dor, pior que qualquer casaco de pele porque eram todos juntos. Um dia, seus pés se desmancharam e ela andou de joelhos. Mas seus joelhos também não podiam suportar e viraram pó. As pedras caíram e começaram a seguir na direção de quem estivesse por ali. Primeiro, os que mais amava, depois os que cruzavam o caminho.
Sara, coletora de pedras, não poderia deixar as suas em outros. Esse pensamento a fazia se desmanchar mais, por isso, precisou olhar em outra direção. Alguns aceitaram porque a amavam e o amor ainda existe.
Procurou ajuda. Muitas erradas e por tanto tempo. Encontrou três certas que disseram a mesma coisa. Ela não podia carregar todas as pedras do mundo. Podia carregar talvez as suas e apenas as solúveis. As outras, deveria deixar ir.
Não queria, mas as pedras escapavam de suas mãos transparentes, caindo sobre as costas de quem não as tinha pedido, mas as aceitava.
Enfim ela parou e lentamente reconstruiu joelhos, não como passos, não milênios, talvez séculos. Depois, foi a vez dos pés renasceram frágeis e pequenos para um corpo humano. Fizeram com que Sara se sentisse forte – tinha muito mais do que estava acostumada a conhecer. Até sorria e começou a recuperar pedras que havia perdido, o que era justo. Seus pés doeram. Estavam acostumados à dor.
Vendo que ainda andava, voltou ávida ao vício de coletar pedras, que a receberam como quem encontra um grande amigo. Cambaleava, andava e era bom.
Mas o cambalear ficou cada vez mais presente e os pés que nem tinham terminado de estar inteiros já começavam a se desfazer. Mais uma vez.
E Sara ouviu das três ajudas a mesma coisa. Ela não podia carregar todas as pedras do mundo. Podia carregar talvez as suas e apenas as solúveis. As outras, deveria deixar ir.
Ouviu das três ajudas muitas vezes a mesma coisa. Ouviu o mesmo de uma baiana, de uma criança e de um cigano. E ouviu das pessoas que a amavam. Foram palavras duras em seu desespero que as pedras deixassem seu peso. Ela ouviu sempre, olhando as pedras, olhando os mundos, olhando as pessoas, em seu êxtase de sacrifício. O mundo não ajudava, sempre cheio de mesquinhezes e grandezas das mais assustadoras que Sara tomava para si, mesmo que estivessem do outro lado, mesmo que ela fosse uma só e bem pequena.
O dilema.
Porque, como disseram, rir estava em sua essência, mas ela também não podia desperdiçar a dor. Não nesse mundo.
Então ela fechou os olhos, ouviu de novo e encontrou verdades que não sabiam o que fazer.
Por isso, escreveu este texto.
E colocou as pedras aqui.
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