Havia se tornado hora de acordar, abrir as janelas, sentir o calor do sol, respirar e ser corpo novamente, mas a única janela possível havia se feito concreto, e todas as manhãs eram enfim noites e, no ar puro, ela nunca deixaria de enxergar a sua sujeira.
Luana escolhia outras paisagens, caminhos baixos e cheios de barro, nos quais pudesse ver mais o céu sem deixar de sentir o vermelho da terra que buscava e que sabia ser. Fruto de infâncias que repetia na aprendizagem do seu ser mulher.
Quando seu corpo lhe dizia que havia chegado, Luana sabia que era apenas mais um e de qualquer forma assentia porque nunca soubera que era mesmo verdade que se podia dizer não.
Retirava-se desses momentos e deixava que seu corpo fosse, porque era outro que não ela. Via-o, sem vontade, com outros corpos que não viam a ela. Sedentos, débeis, com mãos que não sabem enxergar.
Quando voltava a ser Luana, cuidava do que devia ser seu e não era. Limpava saliva, sêmen e sangue. Quantos corpos não sabiam o que era Luana, o que era corpo e o que era sentir? Quantas Luanas havia sido porque também não soubera qual era o seu corpo e como ser sem se tornar a dor de outro?
Até mesmo seus olhos de Iemanjá estavam secos. As águas, que corriam livres em filhos da rainha das ondas, recusavam-se em Luana, não havia lágrimas nessas ocasiões, apenas sangue em um corpo sem ser. Sacrifício.
Luana aceitava seu destino porque o fazia ela. Punia seu corpo porque eram um e outro e não o mesmo. Saliva, sêmen e sangue. Sem Luana. Ou assim pensava sabendo que a dor pertencia a ambos.
Cansada de não ter mais lágrimas, resolveu que era hora de não ser mais corpo. Calou-o, calando-se a ela e, por muito tempo, achou que aquilo era viver. Não havia dor. Não havia saliva, sêmen e sangue. Mas não havia dor, não havia corpo e não havia Luana.
Silenciou-se e fez o que achava que era viver, mas não era. E quando enfim havia se tornado hora de acordar, abrir as janelas, sentir o calor do sol, respirar e ser corpo novamente, a única janela possível havia se feito concreto, e todas as manhãs eram enfim noites e, no ar puro, ela nunca deixaria de enxergar a sua sujeira.
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