segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Os Ricos Também Morrem



Acho que estou ficando velha. Sabe aquelas pessoas que dizem: Meu Deus, onde esse mundo foi parar? Tô dessas. É tanta coisa errada acontecendo ao mesmo tempo que a gente acaba se alienando ou enlouquecendo. 

É tanta tragédia junta, é tanta gente sofrendo. O mundo tá com overdose de desgraça e muita gente não liga e quem liga quase sempre tá perdido. Não sabe muito bem o que fazer. Sou dessas também.

Por tudo isso, quando fui ler Os Ricos Também Morrem, do Ferréz, preconceituosamente esperava mais um conjunto de tristezas no papel. Apesar da vontade de ler e conhecer, tinha essa mentalidade, achei que seria apenas mais uma dose, fraca demais pra fazer efeito, de tudo aquilo que já vejo todos os dias nos jornais, nas ruas, nas pessoas. 

Estava errada, ainda bem.

Pra quem não sabe, Ferréz é um expoente da chamada literatura marginal. À margem, fora do centro. Um bom exemplo desse tipo de literatura é a obra de Paulo Lins, Cidade de Deus, que virou filme e fez muito sucesso. Ferréz cresceu e vive até hoje em Capão Redondo, São Paulo, local que possui todos os problemas bem conhecidos das periferias. 

Heloísa Buarque de Holanda, em um texto sobre literatura marginal, que pode ser encontrado aqui, diz o seguinte:  

O que surpreende nos livros de Ferréz é, sobretudo, a inversão do lugar da violência. Em vez de ser tema da narrativa, a violência é apenas o entorno, a condição de vida de personagens comuns que, como nós, têm emoções, prezam a família, amam, têm ciúmes, fazem sexo e sonham com um futuro mais tranqüilo. Isso é um choque para o leitor que não vive nos cenários do crime e termina promovendo uma forma de identificação ou, pelo menos, entendimento, do personagem agressor, ainda não conhecida na nossa literatura. 

Os Ricos Também Morrem é um livro de contos impressionantes que rehumanizam pessoas que a gente teima em desumanizar. 

Prato Feito, que fala sobre a relação patrão-empregado e toda essa história da exploração, é genial e descreve uma revolta que apesar de muito particular, é de quase todos.

Pensamentos de um "Correria" me lembrou muito um certo causo com o Luciano Huck ;)

Reportagem foi o que mais gostei. Doeu ler e me reconhecer e reconhecer o mundo nesse conto:

E desde quando você parou?
Foi há alguns anos, acho que uns 4.
Alguém da sua família passou por isso antes?
Não que eu me lembre.
E foi aos poucos ou você deixou de uma vez?
Deixei de uma vez, logo que entrei, foi uma manhã, me lembro como se fosse hoje.
Foi com coisas pequenas, primeiro, ou é tudo a mesma coisa.
É a mesma, mas em algumas situações eu me surpreendo.
E as pessoas duvidam?
Quase sempre, mas eu não ligo.
Você não expressa nada mesmo?
Nada, em nenhum lugar.
Como é seu dia a dia?
Acordo, vou pra academia, depois me levam para lá, onde tudo começou.
E como é sua rotina lá?
Ando, converso, tomo capuccino, mas principalmente faço muitas reuniões.
E lá também você passa por isso?
Sim.
E onde mais?
Na rua, em casa, em qualquer lugar que vou.
No serviço as pessoas são assim, tem esse mal também?
Acho que sim, esses dias a mulher que faz o café caiu e torceu a perna, e todos passaram sem fazer nada.
Você fez?
Eu não.
E pensou algo?
Não.
Nem por um segundo?
Bom, pensei que tinha 2 minutos para procurar outro café.
Sua família, como reage?
Eles estranham, perdi uma festa de aniversário do meu filho, aí deu problema.
E o que você sentiu?
Nada.
Nem no caso da família?
Nada.


Morri.

2 comentários:

  1. vai pra lista, mahana!
    um dia vi a palestra do antonio eleilson leite. segue ele lá no feice, sempre aparecem umas coisas legais. além do trabalho dele na ação educativa, no mestrado dele ele divide a literatura marginal em periférica e hip hop. é bem interessante!
    bjos!

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    1. Vou dar uma olhada. Esse conto que eu postei não é absurdamente verdadeiro?!?

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