quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Terra



Olhava a terra se movendo sob seus pés. O chão parecia seco, mas no movimento surgia a umidade. Folhas, sujeira, pedras, pedaços de pão. Não gostava de pureza, terra presa em vaso. 

Seu entre-dedos sorria de cócegas e mexia cada vez mais, as unhas ficando pretas, os pés ganhando cor. A sensação era de muitas coisas em uma só. Uma vida secreta escondida debaixo de uma toalha. Sobre a mesa, um piquenique. Ao redor, crianças perseguindo galinhas e seus filhotes. 

Apenas um parque – árvores, gentes e bichos. 

Via raízes invadindo o concreto e se espalhando pelo mundo. Imagem comum, sedutora demais para mentes cansadas. 

Respirava, diferente – deixar-se ser. A realidade era uma grande caixa cinza após longos caminhos cinzas. Uma vida de pó. 

Gostava de observar os animais. Sabia que a natureza não é cintilante. Via com certa dor a crueza da vida. 

Mas era vida. 

Buscava o mesmo em sua humanidade – uma leitura clara. 

Gostava de olhar: a natureza não estava lá e ela estava, cansada. 

Decidia. Fincar os pés, não mais apenas provocar. 

Seria alguém que também é terra.