O outro, esse alguém que tratamos como se
não fosse ninguém, é o desafio ético-político em uma sociedade que trabalha
pela garantia de direitos fundamentais e pelo respeito à singularidade.
Então, né? O mundo é
esse agora. Gente falando em cristofobia, com orgulho de dizer que há racismo
contra brancos e que páginas no facebook que tratam a heteronormatividade com ironia são heterofóbicas. Hoje em dia, muitas pessoas
deixam de conseguir empregos, são expulsas de shoppings e bares e até chegam a
ser assassinadas porque são héteros, não é mesmo? Bitch, please.
Não tá fácil ler o que andam escrevendo
pelo facebook da vida, não tá fácil conviver em
sociedade e definitivamente não tá fácil ser uma militante da ditadura gayzista-feminazi-contra a família e o capetalismo-com o capiroto-pela banalização do
brigadeiro de pistache, viu?
Por isso eu fui ler Como conversar com um fascista - reflexões sobre o cotidiano
autoritário brasileiro, da Marcia Tiburi. Porque
é isso o que eu faço quando ando meio perdida (ou em qualquer ocasião), eu
leio. Mas o que seria um fascista mesmo?
O
diálogo se torna impossível quando se perde a dimensão do outro. O fascista não
consegue relacionar-se com outras dimensões que ultrapassem as verdades
absolutas nas quais ele firmou seu modo de ser.
Não é exatamente uma definição, mas
explica bem qual é a ideia e o problema todo da coisa. Não enxergar e não conseguir
se relacionar com o outro a ponto de querer aniquilá-lo. Infelizmente isso anda muito comum.
Ler o livro foi uma coisa meio estranha,
eu ficava pensando que aquilo tudo era um exagero, mas, ao mesmo tempo, sabia
que ela estava descrevendo com perfeição algumas pessoas que eu conheço. Talvez
seja meu medo de enfrentar essa coisa horrível que o mundo está se mostrando
ser.
Como
conversar com um fascista já está na 5ª edição, não sei quais foram
as tiragens, mas é a 5ª edição, pô. Será que dá pra ter alguma esperança na
humanidade? O prefácio do livro foi escrito pelo Jean Wyllys, que
fala:
A maioria da população brasileira está há
décadas alijada do direito a uma educação de qualidade que lhe faça cidadã com
capacidade de pensamento crítico e de reconhecimento da diversidade cultural e
humana. A ampliação do acesso ao sistema formal de educação - incluindo aí o
ensino superior -, sobretudo na era Lula, não significou acesso a uma educação
de qualidade.
A questão que ele levanta é importante. Mais pessoas
tiveram acesso à educação, mas que educação foi essa? Só que é muito mais do
que isso, os ditos estudados, os que frequentaram os melhores colégios e
faculdades, também faltaram na aula de empatia. Todo mundo esqueceu da tia
falando que não podia bater no coleguinha e nem rir dele. Falta acesso de modo geral, mas também falta uma educação mais humanizadora.
Como
conversar com um fascista é composto por vários ensaios que tratam
de diversos temas: afeto, ódio, genocídio indígena, analfabetismo político,
indústria cultural, democracia, cultura de estupro, questões da
intelectualidade e da linguagem e aborto.
Como disse, em alguns momentos me pareceu que
a autora estava exagerando, mas o mundo anda tão maluco que eu me pergunto se
não tive essa impressão porque vivo protegida dentro da minha bolha. Não
consegui decidir. Mesmo assim, continuo achando o livro fantástico e o recomendo.
De tudo o que Marcia Tiburi diz, o que
mais me chamou atenção foi a evidência do papel do medo em todo esse ódio e violência
que se espalham por aí.
O
mito da segurança tornou-se incontestável em uma sociedade movida pelo medo. O
medo é o cerne profundo da conservação e, no extremo, do conservadorismo.
Ouvir, que é, em muitos momentos, uma atitude muito mais importante do que
falar, está fora de cogitação quando se tem medo.
Olha só essa frase! (Nada de ficar achando
que o Brasil é um país cordial. Só o número de assassinatos de gays, lésbicas e
pessoas trans, além dos casos de feminicídio já desconstroem o paranauê. Se
colocar na conta o assassinato da população preta e pobre, dos indígenas, dos
que lutam pela reforma agrária... gente, o horror.)
O
Brasil nada carnavalesco e muito violento é ocultado, mas vem à tona quando se
trata de usar o medo como fomento da segurança a ser vendida.
Não lembra as loucas falando que querem ‘oh-meu-deus-transformar-nossas-crianças-em-viados’? Peloamor.
Tem uma coisa importante. Todo mundo tem
medo. Só que nem todo mundo saí por aí espalhando o ódio e querendo acabar com o
que é diferente. Não dá pra tirar a responsabilidade de quem faz isso. É
importante entender, porque entender facilita a busca por uma solução. Mas não vamos
confundir as bolas porque:
O
fascismo cancela, em nível do discurso exposto nas mídias, nos púlpitos e
palanques que constroem opiniões públicas e mentalidades coletivas, a chance de
pensar no que estamos fazendo uns com os outros, reflexão que poderia nos levar
a uma vida mais digna e prazerosa.
Precisamos nos perguntar por que
algumas pessoas entram nessa e outras não.
Alguém que tente dialogar de verdade com
uma pessoa que vive para disseminar o ódio e a violência (seja por medo ou por
qualquer outro motivo) tem a minha admiração. Eu ainda não consigo.
Para quem quiser saber mais sobre o livro
e sobre a Marcia Tiburi, tem uma entrevista dela no blog da editora Record, que publicou o livro, você pode acessá-la clicando aqui:
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