terça-feira, 22 de março de 2016

Queijos



É muito fácil deixar uma coisa pretenciosa. Às vezes, é só acrescentar um “s”. Quer ver? Queijos. 


Comer queijos parece uma coisa muito chique. Queijos têm tipos, queijos têm especialidades, queijos têm até famílias e você aí não querendo falar com o seu pai. Queijos têm nomes impronunciáveis, como Gruyère e Tête-de-Moine (qual é a do acento pro lado errado? E de quem será esse tetê?). Queijos são tão finos que até dinheiro têm no nome, como o grana padano. Pff... Se você acha pouco, saiba que fica pior. Também tem as queijarias. Queijaria é uma coisa mais fina ainda. Quer mais? Queijaria artesanal. Mais um pouco? Queijaria artesanal na Vila Madalena. E é melhor nem falar dos vinhos, que dizem que casam bem. Que bom que alguém ainda casa bem esses dias. Eu só comi queijos uma vez na vida e fiquei cheia de perebas na barriga e na... na... né?

Em casa tem mais é queijo mesmo. Muçarela que assim também tá certo. Tá lá no VOLP, pode ver. Antigamente, queijo sem “s” era também uma coisa fina, mas agora caiu na boca do povo. E na barriga, olha só. Eu mesma prefiro que cada vez menos coisas sejam finas, chiques e conversadas por gente que diz: “Maria Eduarda trouxe um vinho divino de Paris.”

Então fico feliz que tenha queijo no rissole da festa de aniversário, que derrete no pratinho de plástico e depois endurece e a gente nunca mais consegue tirar. Mas, se eu tivesse que dizer só uma coisa sobre o queijo, escolheria dizer que ele é pior do que espaguete. Porque espaguete não tem fim, aquele fio parece que dura pra sempre, como o queijo que comi no aniversário da minha tia, no derretido do pratinho de plástico. Peguei tudo e enfiei na boca antes que ele pudesse endurecer. Um queijo derretido é todo um só, não importa o quão grande ele seja.

Sabe aquela coisa enorme que desce pela sua garganta? Estava eu sentindo aquela coisa gosmenta e gordurosa descendo devagar quando um algo fininho e áspero me incomodou. Mexi com a língua pra cá, pra lá sem saber bem o que estava acontecendo e sentindo só o queijo lá no fundo, subindo e descendo um pouquinho, fazendo uma coceirinha lá atrás, muito embaixo da campainha. Foi então que percebi uma coisa grudada no meu queixo. Foi difícil puxar com a mão toda engordurada, mas, depois de tentar muito, peguei o danadinho. 

Era um fio de cabelo. Meu cabelo sempre foi fino, por isso fiquei surpresa de ele ser tão forte. Eu puxava, e o queijo vinha. Minha mão escorregava, e o queijo ia. Sabe que até gostei da sensação? Eram umas cócegas gostosas, como quando você tá resfriado e fica tentando enfiar a mão dentro da cabeça pra parar com aquilo tudo – só que bom. O vai e volta durou um bom tempo. Quando o queijo passou bem na curva da garganta, eu quase não consegui respirar, mas também foi a hora com a sensação mais diferente. Quando ele passou bem no sininho, senti o gorfo querendo chegar no queijo, mas ele não alcançou. Puxei tudo só pelo cabelo e fiquei olhando aquele amarelo enorme e ainda derretido pendurado por um fiozinho quase invisível. 

Olhei, olhei e não tive dúvidas. Tirei o cabelo e enfiei o resto na boca. Ah... queijo sem “s”. Delícia.

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