A mãe de Malu a pegou com drogas,
veja só, maconha, meu Deus, onde é que esse mundo vai parar. Por sorte, a
menina tinha apenas quatorze anos e ainda podia ser salva apesar de suas
origens peculiares.
Malu havia sido fruto de um
adultério, e sua mãe, porque mãe é aquela que cria, não aquela que abandona, a
acolhera mesmo sabendo de sua raiz problemática. O casamento se manteve, o caso
aparentemente terminou.
A mãe de Malu suspeitava que
aquela que a abandonara era uma prostituta. Não agora, bem, talvez agora, mas
na época principalmente. Com 15 anos já era prostituta, por isso a mãe de Malu
se preocupava, porque a adolescente estava chegando na idade da perdição, e genética
é uma coisa com a qual não se brinca. Era preciso fazer algo.
Foi internada em uma clínica de
reabilitação em Piratininga, no interior de São Paulo. A família não a visitava
porque a distância era um inconveniente, e as despesas da viagem somadas à mensalidade
da clínica eram pesadas. Além disso, e, mais importante, a visita fazia mal à Malu,
que chorava, ficava manhosa, não queria se levantar da cama e suplicava para
voltar para casa. Dizia até que estava com saudades da escola, a malandrinha. A
família, preocupada com a recuperação da menina, cuidava para não a atrapalhar.
O problema todo foi que um
promotor desses de justiça se atentou para o fato de que Malu estava na clínica
já há um ano e meio e isso constituía abandono de escola. Uma coisa que alguém inventou
para que outra pessoa fosse responsável; pessoa a qual deixou a cargo de outrem,
que passou a fiscalizar os responsáveis legais, no caso, os pais. Ou melhor
dizendo, a mãe que criou, não que a abandonou. O pai não vai aparecer na
história; muitos não aparecem.
O promotor de justiça era uma
daquelas exceções que não acreditamos existir e que surpreendentemente fazem
seu trabalho. Descobriu Malu na clínica de reabilitação em Piratininga.
Descobriu que a menina estava lá há um ano e meio e que, devido a seus vários
problemas de drogadição e de inserção social, era fortemente medicada, o que a
deixava tranquila e menos combativa. Nem pela família, que não a visitava há
seis meses, ela perguntava mais. O promotor também descobriu que Malu havia
sido abusada por um dos funcionários da clínica de reabilitação. Para algumas
pessoas, abusada seria um eufemismo de estuprada. Para outras, entre elas a mãe
de Malu, a que criou, não a que abandonou, abusada era um exagero para relações
sexuais.
Porque ela amava muito sua filha,
Deus sabia. Amava-a muito e, como toda mãe, conhecia o que tinha em casa. Sabia,
com todo o seu amor, que Malu não era boa coisa, tinha o mal na semente, e já
vira como ela se comportava na frente dos homens. Vira com aqueles olhos
perspicazes de mãe preocupada que faria tudo por amor, inclusive aceitar a verdade
da natureza da filha.
Disse tudo isso quando foi
questionada pelo promotor desses de justiça sobre por que havia deixado uma
adolescente dopada por um ano e meio em uma clínica de reabilitação no interior
de São Paulo, mesmo após o fato do abuso. O promotor disse ainda que Malu era
menor de idade e que não tinha nenhuma culpa em relação ao ocorrido. O
responsável era o funcionário da clínica que, além de maior de idade, estava em
situação de poder, pois cuidava de uma criança em situação de vulnerabilidade
ou qualquer coisa assim.
A mãe de Malu se explicou, disse
que amava sim e muito a filha, mas que não podia negar o tratamento que a
menina dava aos homens, disse que via, presenciava e que não havia
possibilidade nenhuma de o funcionário ter tido qualquer culpa, porque homens são
assim. Uma questão de natureza.
O promotor também disse que não
era possível deixar uma adolescente sem estudar por um ano inteiro e meio, que
aquilo a prejudicaria demasiado em toda a sua vida futura. Mas a mãe sempre
diligente respondia que tudo o que havia feito era pelo bem da filha, por amor.
Era na escola que estavam as drogas, as más companhias. A família até tentou
mudar a adolescente de instituição, mas não adiantou. A menina juntou os
desviados de uma com os desviados da outra. Foi assim que a mãe de Malu
descobriu e, no caso, confirmou, que a origem da discórdia estava na própria
filha. Era a semente. E, no interesse de salvar a família e a própria menina,
mandou-a para longe, onde ocorreu toda a história. Nada mais justo. Era certo.
Tinha fé de que tudo o que havia feito, havia feito no amor.
E, conhecendo todos esses fatos,
o promotor desses de justiça que, surpreendentemente fazia seu trabalho,
precisava convencer Malu e sua mãe de que elas se amavam e de que estariam
melhores juntas, porque é assim que famílias devem ser.
O promotor de justiça conhecia
muito bem os abrigos e as casas de acolhimento com todos os seus nomes de
eufemismo. Por isso ele tentava convencê-las com as palavras que dizia e com os
ouvidos que fingiam para si mesmo acreditar no que ouviam, porque só assim
poderiam continuar. E ele continuava e convencia. Ele as convencia de que se
amavam, de que estariam melhores juntas, de que famílias são boas e nos fazem
bem. Ele talvez as convencesse e talvez convencesse a si mesmo, porque era
muito bom, mas não tinha certeza.
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