Tínhamos acabado de jantar. Defronte de mim o meu amigo, o banqueiro, grande comerciante e açambarcador notável, fumava como quem não pensa. A conversa, que fora amortecendo, jazia morta entre nós. Procurei reanimá-la, ao acaso, servindo-me de uma ideia que me passou pela meditação. Voltei-me para ele, sorrindo.
— É verdade: disseram-me há dias que você em tempos foi anarquista...
— Fui, não: fui e sou. Não mudei a esse respeito. Sou anarquista.
— Essa é boa! Você anarquista! Em que é que você é anarquista?... Só se você dá à palavra qualquer sentido diferente...
— Do vulgar? Não; não dou. Emprego a palavra no sentido vulgar.
— Quer você dizer, então, que é anarquista exatamente no mesmo sentido em que são anarquistas esses tipos das organizações operárias? Então entre você e esses tipos da bomba e dos sindicatos não há diferença nenhuma?
— Diferença, diferença, há... Evidentemente que há diferença. Mas não é a que você julga. Você duvida talvez que as minhas teorias sociais sejam iguais às deles?...
— Ah, já percebo! V., quanto às teorias, é anarquista; quanto à prática...
— Quanto à prática sou tão anarquista como quanto às teorias. E quanto à prática sou mais, sou muito mais, anarquista que esses tipos que você citou. Toda a minha vida o mostra.
— Hein?!
— Toda a minha vida o mostra, filho. Você é que nunca deu a estas coisas uma atenção lúcida. Por isso lhe parece que estou dizendo uma asneira, ou então estou brincando consigo.
— Ó homem, eu não percebo nada!... A não ser..., a não ser que você julgue a sua vida dissolvente e anti-social e dê esse sentido ao anarquismo...