Conto publicado na 12ª edição da Revista Flaubert
Passava pelo corredor escuro a caminho da sala 128. O calor não combina com as nuvens lá fora. A minha frente, encostados às paredes, alguns PMs e oito crianças algemadas. Os infratores estão virados para o concreto cinza, mas sinto os olhos dos policiais com suas armas em mim. Odeio passar aqui nessa hora. Na sala de testemunhas, mães e namoradas choram ou conversam distraidamente.
Alguns passos e algo forte carrega o ar. Aquele cheiro de sabonete, o cheiro dele. Será que ele passou por aqui? Claro que não, olho em volta mesmo assim. As lembranças são as mesmas de todos. Ele não está mais aqui. Acho que nunca esteve.
Quando o conheci, nada soube. Começamos a conversar. Muito. Todos os dias. Sobre tudo. As paixões são sempre iguais. Ele tão sem jeito. Eu, quase normal. Eu o consolei. Disse que não choraria, tudo estava bem.
Todos os dias, ele. Notava suas ausências. Era o cheiro. Aquele cheiro de sabonete tão comum, mas só dele. E meu. Era meu também.
O que você queria? O que eu queria que você quisesse? Nunca soube. Tantas coisas, tantas histórias, tantos nadas. Nada acontecia. Comecei a fingir a verdade. Fingia bem, você acreditou. Eu quase acreditei. Meses esvaziados em pensamentos e medos. Não pude evitar. Não quis evitar. Briguei, chorei, fiz tudo o que não devia.
Beijos, filmes, abraços, livros, sorrisos, aquele nó. Estava feliz, alimentando meus demônios muito mais delicadamente que de costume. Em uma conversa de silêncios, você me perguntou como rejeitar alguém. Eu achei que falava de mim. Você disse que talvez gostasse de alguém. Eu achei que falava de mim. Vi seus suspiros, ouvi suas mãos tremendo. Senti apenas aquilo que era meu.
Seu não foi tão reticente, tão cheio de culpa, de dor. Quem é? Tinha que saber. Você é tão crescidinha, ele disse, tem talento. Devia gostar de você, te devo tanto. Ele não quis dizer. Eu insisti. Adivinhei. É claro, ela. Minha vida, uma piada. Eu chorei.
Quando ele não me quis, eu o consolei. Quando ela não o quis, eu o consolei. Quando ele fez poemas de amor, eu os li, os aplaudi. Perdi longos segundos, breves oportunidades. Sempre te olhando.
Assim que vi o remetente daquela mensagem, não tive escolha. Aquele nome. Depois de tudo, de todos os nãos, quando eu achei que tinha apenas sua verdade e estava satisfeita, aquilo. Tudo o que quis, tudo o que não tive. Eu estava ali. Suspensa. Perdi tanto. Nunca saberei. Era preciso. As palavras daquela mensagem me fizeram.
Naquele dia, na hora do café, sentindo o vento ralo que entrava pela janela, eu o empurrei. Na manhã seguinte, a notícia no jornal:
“Jovem suicida. Pais devastados.”
Não. Ele não se matou, não se matou. Ele morreu. Morrer foi o que ele fez. Morreu de amor. Ele morreu de amor.
Para conhecer meus livros, acesse www.mahanacassiavillani.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário