Dr. Paulo era médico e às sextas-feiras fazia plantão de madrugada no pronto-socorro de um convênio cuja qualidade era mais ou menos razoável. Costumava ser tranquilo e ele passava boa parte das doze horas comendo, dormindo e tentando seduzir a enfermeira. A auxiliar, a recepcionista, a faxineira. Às vezes aparecia uma paciente da qual ele poderia se gabar. Às vezes aparecia uma paciente que ele gostaria de possuir, mas nunca admitiria. De modo geral, só via velhas cheias de varizes, grávidas neuróticas, homens com gases e bêbados. Praticar a medicina não era tão glamouroso quanto parecia à primeira vista, pensou coçando a grande barriga. O título sim, esse era motivo de orgulho, usava-o sempre que podia, dentro e fora do hospital. A não ser quando havia alguém por perto precisando de atendimento, nessas ocasiões mantinha-se em silêncio, porque precisava proteger sua vida pessoal ou não sobreviveria.
O pior de fazer esse turno era atender os jovens com toda a sua juventude. Chegavam bêbados, arrogantes, com seus abdomens definidos e sua falta de tato, falando alto, fazendo barulho, constrangendo as mocinhas, as bonitas e empinadas pelo menos. Todos virgens, Dr. Paulo tinha certeza. Sabia das coisas.
No último plantão havia sido acordado por um desses. Quatro horas da madrugada o sujeito aparece dizendo que entra no serviço as cinco, que opera máquina pesadas, que nunca esteve tão bêbado na vida e que se for para o trabalho naquele estado morrerá. Dr. Paulo faz o que pode, diz ao bêbado para não ir trabalhar, oras, ninguém precisa de médico para isso. O bêbado diz que não tem dinheiro, precisa trabalhar para receber ou precisa achar um jeito de receber sem ir ao trabalho.
Dr. Paulo é um homem experiente, sabia desde o início. Muita gente vai ao hospital em busca de atestados. Gastam dinheiro, drogas e material humano porque não querem trabalhar. Nesses casos, costumava receitar um soro especial que, aplicado com muito cuidado, levava horas saindo do frasco até a corrente sanguínea do doente, gotinha após gotinha. Com o bêbado isso não funcionaria, afinal era o que ele queria. Dr. Paulo melhorou a postura, ajeitando também sua grande barriga e disse na voz mais austera que podia emitir que havia feito um juramento, que a medicina era uma vocação, vocação isso mesmo, muito mais que uma profissão, que a medicina era uma vocação sagrada e que ele, Dr. Paulo não seria manipulado de forma tão vil, não jogaria sua bela prof... vocação na lama. O bêbado nunca mais voltou.
Dr. Paulo ficara enervado, pelo menos não era mais um pervertido com um objeto estranho no reto. Infelizmente não era lenda urbana, Dr. Paulo atendia muitos casos de homens com objetos estranhos no reto. Admitia que tais casos rendiam boas histórias à mesa do jantar, mas estava cansado de manusear o ânus alheio. Os objetos eram os mais variados, as desculpas, no entanto, eram sempre a mesma. Eu caí. Dr. Paulo tinha vontade de colocar um grande aviso na entrada do hospital. O aviso seria de utilidade pública e diria que um médico leva pelo menos seis anos para se formar, que estuda todos os pormenores do corpo humano e que entende como ninguém o funcionamento de pele, carne, músculos, veias e órgãos. Portanto, não venha dizer que caiu de ânus em cima de uma cenoura porque ninguém vai acreditar.
De fato, algumas pessoas caem de ânus em objetos, isso é possível, Dr. Paulo não sabe como, porque há coisas que nem a medicina explica, mas mesmo assim elas ocorrem. Em um de seus tediosos plantões atendeu uma paciente. Sim, era uma mulher. Gorda. Muito gorda. A cadeira em que ela se sentava quebrou e uma das pernas de madeira invadiu o interior de seu corpo. Dr. Paulo sabia que era verdade, pois a senhora havia rasgado as nádegas, o reto e parte do intestino. Fora uma cirurgia de emergência. Antes de a criatura ser levada ao pré-operatório, Dr. Paulo cumpriu seu dever elevado e recomendou que a mulher tomasse vergonha na cara e fizesse uma dieta. Muito sério em sua vocação, ele disse que esperava que o ridículo do que se passava fosse suficiente para que ela repensasse sua vida. Uma mulher precisa se cuidar, onde já se viu tanto desleixo, disse coçando a careca e ajeitando a grande barriga.
Em vinte anos de plantões às sextas-feiras e troca de confidências com outros dignos profissionais, esse era o único caso genuíno de que Dr. Paulo tinha notícia. É seguro dizer, as pessoas não caem de ânus em objetos. Os brinquedos dos distintos cidadãos que compareciam ao pronto-socorro eram os mais variados. Desde brinquedos de fato, como um Buzz Lightyear e uma Barbie, até materiais de construção como canos de PVC. Os boêmios escolhiam bolas de sinuca e garrafas de cerveja. Os refinados utilizavam Ipods e taças de cristal. O mundo era um parque de diversões cheio de objetos a serem colocados no reto e os mais comuns eram legumes de modo geral e, estranhamente, frascos de desodorante. Esse era o caso.
Antes que seu plantão terminasse, Dr. Paulo foi surpreendido por um casal de meia idade muito aflito, o senhor sofria as agruras de algum mal não evidente. No consultório, ela sentara-se na ponta da cadeira e contorcia as mãos. Ele mantinha-se de pé, as mãos apoiadas na mesa. Hemorroidas – foi a palavra que saiu de sua boca. Seu marido sofria muito devido a uma crise de hemorroidas. Ao ouvir de Dr. Paulo abaixe as calças, meu senhor, o homem com expressão sofrida perguntou se não precisaria ser medicado antes. Dr. Paulo logo entendeu, mas estava cansado demais para negar ao homem o que lhe pedia. Atendeu-o em um recinto separado da mulher. Foi lá que ele confessou.
Havia caído de ânus em um frasco de desodorante aerossol, que, nada mais natural, ficara alojado em seu reto. Tentaram por quase uma hora remover o objeto, mas o vácuo era mais forte que as tentativas do médico. O homem teve que ser levado à sala de cirurgia. Para a mulher, disseram que fora descoberta uma hemorragia interna devido às hemorroidas e que seu esposo tinha sido operado às pressas. Ela estava preocupadíssima.
Não houve problemas na operação. O objeto não era de vidro e sua retirada foi tranquila. Quando o homem acordou, Dr. Paulo não se conteve, foi obrigado a pressioná-lo e ele logo confessou tudo. Disse que havia colocado o desodorante no ânus de livre e espontânea vontade, disse que quanto mais o objeto adentrava seu corpo, mais prazer sentia. Chorou, disse que sua mulher nunca poderia saber.
Dr. Paulo tinha um discurso pronto sobre como o homem desperdiçara dinheiro, drogas e material humano com algo que poderia e deveria ter sido evitado. O discurso de Dr. Paulo foi longo e inflamado e terminava com uma pergunta. Por que meu senhor? Por que um homem decide tomar atitudes tão inviris?
No fim daquele dia fastidioso Dr. Paulo se trocava no vestiário dos médicos. Queria retirar-se daquele ambiente doentio. O local estava deserto e quente. Ali, apenas Dr. Paulo e um desodorante, aerossol.
Hahahahahahaha!! Romance à vista!! kkkkkkkkk
ResponderExcluirsua caracterização dessa faceta humana me lembrou os melhores momentos do Fernando Namora! Conhece? é o maior médico-romancista de Portugal e faz do misere a vida dos médicos o misere da Humanidade (leia "O Homem Disfarçado", acha-se com alguma facilidade em sebos pelo Centro)!
ResponderExcluirtenho um amigo que diz que tudo o que existe no mundo pode ser um dildo. eh so uma questao de coragem e curiosidade ;) muito bom ter encontrado o seu blog por acaso, estou gostando!
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