domingo, 24 de maio de 2015

Aqueles fios dourados





Marcos os olhava incompreendido. Eram longos e lisos. Lindos, com movimentos mais naturais que uma propaganda de xampu. A cabeça de onde nasciam era igualmente bela. Priscila possuía no nome o P da perfeição. Ela era jovem e bonita, não precisava esconder o rosto atrás de maquiagem. Usava roupas simples que evidenciavam as curvas de seu corpo. 

Marcos a olhava embevecido. Nunca se cansava. Ela era graciosa e sorridente na medida adequada. Quieta e distraída, uma boneca. Priscila era olhada por todos aonde quer que fosse. Eram os fios dourados que deixavam sua marca. Sua presença era muito mais imponente que sua dona. Mas não para Marcos. De vida simples, nunca imaginara que seu ideal de mulher pudesse existir nesse mundo. Ele a amava. 


Priscila era uma pessoa reservada e Marcos a olhava, imaginando que pensamentos puros se passavam no recipiente daqueles fios de ouro. No que ela pensava, o que queria, do que gostava? Ela era pura e simples como um anjo. Aquela beleza clássica e discretamente exuberante só podia funcionar assim. Nenhum outro tipo de pensamento seria capaz de penetrar tão inestimável invólucro. Marcos imaginava e imaginava o que aqueles olhos alheios enxergavam quando miravam a imensidão.
Cocô. Priscila adorava cagar. Pensava muito em cocô. No caminho de casa para a estação e da estação para o escritório, ela andava com os olhos fixos na calçada sempre à procura de fezes caninas. Gostava de observar e refletir, achando diferenças e semelhanças em cheiro, textura e aparência. Sonhava, um dia, passar a semana comendo apenas ração, só para descobrir se o seu cocô e o dos adoráveis animaizinhos se tornariam irmãos.

Era muito mais que uma contempladora. Gostava de experimentar sensações novas e fruí-las. Cada cagada era uma nova história e Priscila sempre se surpreendia. As diarreias que a visitavam eram uma benção. Alguém menos observador poderia pensar que todas as dores de barriga são iguais. Mas Priscila sabia que não, sabia que uma diarreia é muito mais que a mera sensação de urinar pelo ânus. Às vezes, o jorro era como uma explosão, chegava sem anúncio e espalhava-se por todo o lado, mostrando que ali estava e não tinha pretensões de partir. Às vezes era como uma pequena goteira. Diarreias tímidas sempre a faziam sorrir e ela se esforçava para que criassem coragem de se mostrar ao mundo. 

E Marcos sempre a olhando. Imaginando imagens. Anjos, ninfas, princesas. Tudo cheio de brancura e pureza. E Priscila sempre pensando em cocô. Geralmente marrom, às vezes circular, às vezes fibroso, às vezes verde ou amarelado. Adorava comer milho. Era uma felicidade. 

Os mais pervertidos imaginarão que tamanho amor pela fisiologia humana e canina não passam de imoralidade, de tara sexual. Ah... a ignorância. Esse prazer, Priscila não compartilhava com ninguém. Era um momento de comunhão com a grandeza do universo. Algo impossível de ser feito na presença de outro ser. A admiração por cocô fora o motivo principal de ter saído de casa tão jovem. Sozinha no pequeno quarto e cozinha, Priscila podia se perder em seus estudos. Só dava descarga quando podia preencher o vaso sanitário com novo objeto sagrado. Às vezes utilizava um grande balde, pronta a observar as nuances das influências de água e ar em seu cocô de todo dia. 
No escritório sempre notavam os olhos de Priscila iluminando-se quando recebia convites para almoços em restaurantes étnicos. Aquela moça tão contida presenteava os colegas com um sorriso radiante nessas ocasiões. Marcos, sempre admirando aqueles fios dourados, anotava em seu caderninho essas pequenas demonstrações de contentamento. Planejava o primeiro encontro há meses. Queria surpreender Priscila, tudo tinha que ser perfeito. Faria com que se apaixonasse por ele. Ele a amava.

E Priscila amava cocô. É muito bonito quando alguém encontra a vocação de sua vida. Certa de suas paixões, Priscila chegou a fazer um curso de fotografia para que pudesse registrar com mais beleza e precisão seus presentes sagrados. Tinha um livro. Anotava tudo que comia, tudo que bebia e com destaque especial colava as fotografias. 

Marcos a amava e a olhava com olhos apaixonados tentando imaginar no que ela pensava quando mirava alheia o nada. Cocô. Priscila pensava em cocô. Marcos a amava. E Priscila amava cocô. Era uma mulher feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário