Bruno estava chateado. O mundo não andava legal. Na flor da idade, músico, poeta, feminista. E sem ninguém descolado com quem conversar. Michele, a estagiária tatuada em locais estratégicos, havia partido dessa pra uma melhor. Não, não. Ela só fora contratada por outra empresa. O pessoal da análise de crédito era muito coxinha. Bruno gostava de ser visto com eles, afinal, era um homem flexível, capaz de transitar com graça entre vários grupos. O problema era que eles não diziam nada que pudesse ser reproduzido. E também, Bruno sempre perdia na argumentação política.
No setor em que trabalhava, ninguém mais queria saber dele. Antes, fora capaz de manter uma amizade saudável com algumas pessoas chegando até a ser admirado pelas mais ingênuas, mas a maldita reorganização do espaço físico da empresa estragara tudo.
Bruno, brilhante, bolara uma estratégia fantástica que sempre o fazia sorrir. A natureza de seu serviço pedia que ele transitasse pelos 10º e 11º andares. A liberdade de locomoção fazia com que nunca estivesse no mesmo andar em que o serviço a ser feito. Os outros funcionários, vendo sua expressão estafada, erroneamente tomavam o cansaço de uma noite em claro devido a partidas indispensáveis de vídeo game por cansaço devido a excesso de trabalho. Luana chegava até a fazer o serviço do rapaz, deixando o seu atrasado.
Quando os 10º e 11º andares haviam se tornado um só, Bruno notara que aqueles que até então considerava amigos eram pessoas ranzinzas, que só sabiam cuidar da vida dos outros e adoravam reclamar de quem não era um robô administrativo.
Não era fácil ter que almoçar sozinho todos os dias, não ter ideias perspicazes para postar no facebook, não ouvir sobre livros e filmes que nunca chegaria a entender, não ter companhia para tomar o terceiro café da tarde. Bruno sentia o peso da alienação na modernidade. É claro que sempre haveria as Brunetes, como ele carinhosamente apelidara o harém de mulheres mais velhas que o idolatravam, achavam graça em suas grosserias, divertiam-se com seus cabelos desalinhados e tinham a reação certa quando ele resolvia ser diferente e desafiador, como naquela vez em que se deitou no meio do refeitório e todos acharam que ele estava doente, mas não. Estava tudo bem. Ele era apenas um espírito livre.
Os dias eram penosos e Bruno, universitário, libertário, proletário, igualitário, celibatário, unitário, necessário, arbitrário, itinerário e refratário não tinha viv’alma com quem se comunicar. Cada vez mais carrancudo, perdia o brio, o crio, o frio e o pavio. Estava a ponto de desistir, mas todos sabem que a bondade pertence aos bons e a beleza aos belos. Foi assim que, num dia por demais ordinário, Bruno conheceu Thiago. Com TH. Enfim, uma alma afim. Descobriram com olhos brilhantes estar matriculados na mesma universidade. Perfeito. Almoçavam juntos. Caminhavam juntos. Sorriam juntos.
A amizade é uma coisa linda. Bruno tinha uma mão cheia de ideias coletadas de mentes alheias e uma habilidade com o uso de trocadilhos coletados de sua própria com que seduzir Thiago.
E seduziu. A lua de mel durou três meses, nos quais os novos amigos sentiam-se cada vez mais próximos. Grave problema para Bruno que não podia deixar que ninguém, nem mesmo Thiago, descobrisse que suas inteligências eram sempre produzidas por outrem e, portanto, limitadas e que se encontravam perto do fim.
O medo tomou conta dele e Bruno começou a fugir. Thiago começou a perseguir. Bruno não queria ser pego, mas gostava da brincadeira. Thiago não sabia que estava brincando, ainda não percebera nada diferente.
O desfecho dessa história foi feliz.
Quando Thiago percebeu o que ocorria, sua sinceridade tocou Bruno como nenhuma outra e ele se mostrou. Inseguro, medroso e inferior. Thiago o acolheu e a amizade durou anos.
Ou Thiago o amou, os rapazes descobriram-se apaixonados e o romance durou anos.
Ou ainda, Thiago o desejou e Bruno se permitiu sentir. Descobriu-se gay, ou bi, ou apenas cheio de desejos por Thiago e viveu as delícias do sexo ou a beleza da carne, como gostava de escrever em seus poemas.
Todos esses desfechos são felizes. E bons. E gostaríamos que pudessem ser reais.
Mas talvez, de verdade, Bruno tenha continuado a fugir, causando dor e Thiago tenha dito um grande foda-se e tenha ido ser feliz com amigos que pudessem ser mesmo amigos.
Mas talvez, Thiago tenha ficado triste e se esforçado para manter a amizade e feito o ego de Bruno inflar e ele se sentir grande e usar seu poder para pisar nos outros.
Mas talvez ainda, Thiago tenha sido vingativo e tenha humilhado Bruno, esfregando em sua cara aquilo que de fato era.
E é possível que a humilhação e o sofrimento tenham feito com que Bruno refletisse e resolvesse mudar.
E é possível que Bruno tenha, então, se tornado uma pessoa melhor, mais justa e honesta.
Tudo isso é possível, mas provavelmente não.
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