domingo, 21 de junho de 2015

A curvatura de suas costas





Aninha é uma garota esperta. Mais ou menos. Fez faculdade e tem um emprego sem graça. É engajada com a questão do meio ambiente e adora programas culturais. Ainda contribui com o jornal da universidade. De modo geral, não é má pessoa.

Quando recebeu um e-mail muito elogioso sobre sua produção literária, seu ego, naturalmente do tamanho de uma maçã, inflou-se até parecer uma jaca. Respondeu cheia de palavras bonitas e tratou logo de adicionar Bruno no facebook.

Os próximos fatos se deram na seguinte ordem: descobriu que ele era solteiro, passou a achar que ele era bonito, achou suas fotos divertidas, passou a achar seus posts engraçados, passou a achar seus poemas bons. Ficou a fim.

Aninha se esqueceu de que o facebook é uma vitrine de nada e que e-mails escondem as entrelinhas. Coitada, era esperta, mas não tinha bola de cristal. Como poderia saber que as opiniões que tanto a atraíam em seu pretendente eram todas roubadas? Como saber que aquele homem que curtia páginas como Frieda explica, se precisar repete passara seus 27 anos de vida com as costas curvadas, compenetrado nas peculiaridades do próprio umbigo, sendo que agora, nem que quisesse, e não queria, seria capaz de levantar os olhos e apreender a existência de outro ser humano? Nem mesmo o amor seria capaz de endireitar as costas daquele homem porque esse sentimento ele só tinha e só queria ter pelo próprio umbigo.


Aninha não sabia. Não tinha como saber, por isso acreditou quando ele disse que era socialista e feminista e vários outros ista. Ora, é inegável que aqueles embevecidos pela própria cavidade umbilical só possuem um ista, aquele que vem acoplado ao ego. Mas Aninha não sabia. Por isso, quando aquele homem fazia comentários demeritórios a qualquer coisa que não estivesse relacionada a seu próprio umbigo, ela ouvia apenas fatos inocentes e espirituosos, como enxergava seu querido pretendente.

Ao combinarem o primeiro encontro, ele havia deixado claro que não possuía segundas intenções, mas compareceu mesmo após Aninha ter deixado claro que as segundas intenções estariam lá. Para Aninha, que era esperta, a situação era clara. Ele era tímido, fato encantador, e ela iria ajuda-lo. Para quem já encontrou na vida um ou mais aficionado pelas peculiaridades do próprio umbigo é triste e óbvio o que se dá. Pobre Aninha não tinha muita experiência, sendo assim, confundia manejamento de realidades com cândida timidez.

Saíram. Conversaram. Comeram. Mas não um ao outro. Isso não chegaria a acontecer. Ela o abraçou, acariciou seus cabelos, seus braços, suas costas, seu peito. Nada. Ele retribuía muito timidamente, incentivando-a. Ela finalmente pediu um beijo e ele respondeu que seria melhor não, mas sorriu com as faces rubras fazendo com que os olhos de Aninha brilhassem. 

Ela ficou confusa com a situação e ao mesmo tempo incitada a lutar pelo que ele parecia timidamente oferecer. Resolveu jogar sujo, talvez tenha sentido culpa, muita ou pouca, talvez nenhuma, mas era por uma boa causa, a dela. Perguntou se ele era mesmo hétero, desafiou sua masculinidade. Tão claro. Tão óbvio. Tão clichê. Funcionou. Eles se beijaram. Ele gostou. Ela gostou. Foi agradável. Cada um vivendo o que era seu, sem realmente enxergar o outro. Conexão só é possível entre pessoas sinceras.

O ego dele, comumente maior que sua circunferência abdominal, triplicou de tamanho ao ver aquela garota que até então não achava bonita esforçar-se tanto para conquista-lo. 

Além disso, ele tinha medo que pensassem que era gay.

Aninha era esperta, mas não sabia que para esses tipos enamorados pelas peculiaridades do próprio umbigo não há nada mais eficiente que um bom morde e assopra de ego e/ou umbigo. Mesmo assim começaram a sair. Trocavam mensagens em que ele fingia interesse e ela acreditava, respondendo com grandes quantidades de confetes que caíam na bexiga de ego agora já quadriplicada de tamanho, inflando-a mais e mais. 

Isso durou algumas semanas. 

Para pessoas com poder de visão superior à distância do próprio umbigo, que talvez correspondam a 25% da população, se quisermos ser otimistas, o natural é que o convívio voluntário traga benefícios mútuos. Mas eu mesma, que nem sei se estou nesse quarto de gente, não posso ouvir a história esdrúxula de uma garota mais ou menos esperta e mais ou menos decente e de um garoto mais pra menos decente e mais pra mais manipulador e não julgar e não pensar que seria melhor se as pessoas fossem sinceras e não usassem umas as outras de maneira desonesta. Por isso os pinto com cores feias que, inegável dizer, estão mesmo neles, mas não são as únicas. Infelizmente, são essas as que eles escolhem usar e eu os sigo em tom e miséria. 

Enfim, Aninha era esperta, mas não tinha percebido que aquele homem não era tímido e muito menos ingênuo. O que ele era, ao menos nessa situação, era covarde. Covarde, só isso. Covarde como era, e como os covardes costumam ser, ele não se comprometia. Adorava incitar o interesse alheio para que pudesse desprezá-lo e fingir-se aborrecido e compadecido com as investidas de pobres garotas apaixonadas. Aninha era esperta, mas não era a primeira e certamente não seria a última a deixar-se iludir por joguinho tão besta e barato. É claro que após alguns encontros, covarde como era, aquele ser, porque a esse ponto não posso mais chama-lo de homem, sabotou aquilo que a esse ponto não se pode nem chamar de relacionamento. Inevitável, pois não queria olhar ou sentir nada além das peculiaridades do próprio umbigo e a proximidade, seja ela de que tipo fosse, poderia obriga-lo a enxergar que sua cavidade umbilical não era a única coisa que importava no mundo e, ainda pior, obriga-lo a enxergar e enfrentar a curvatura das suas costas e a pequeneza de seu ser.

Aninha era esperta, mas não sabia. O término do quase pseudo-relacionamento com aquele umbigo foi um dos momentos mais felizes de sua vida. 







Um comentário:

  1. Menina, você escreve MUITO BEM! Adorei seu blog e vou acompanhar! Ótimo texto!
    Beijão!

    Imperfeitas e Lindas

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