Política Sexual, escrito por Kate Millett, foi publicado em 1970 e é
considerado o primeiro livro de crítica literária feminista. A obra foi o
resultado da tese de doutorado da autora e causou bastante polêmica, tanto no
mundo literário quanto no feminista.
O livro fala sobre alguns clássicos da literatura e sobre obras
filosóficas e da psicologia, analisadas sob a perspectiva das relações de
gênero e da representação da mulher.
É um livro bastante denso, afinal, é uma tese de doutorado. Kate Millett
encheu 361 páginas de informação condensada, cada parágrafo oferece algo novo
sobre o tema discutido. Demorei um pouco para terminar de lê-lo, pois Política
Sexual exige bastante concentração, tanto pela avalanche de conteúdo quanto
pelo modo como o conteúdo é apresentado.
Basicamente, o livro fala da defesa do patriarcalismo e da opressão da
mulher presentes nas obras analisadas pela autora. O escopo de Kate Millett é
bastante amplo, ela fala desde a primeira revolução sexual no período vitoriano
até a obra de Jean Genet (1910 – 1986), seu contemporâneo. Com muitos dados
históricos, o livro não pretende analisar o valor literário das obras abordadas
e sim como se dá a relação de poder entre os sexos e a mistificação (ou não) do
feminino e do masculino em cada uma delas.
Uma das partes mais interessantes, em minha opinião, foi a análise da
obra de Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, cuja influência
perdura até hoje. Freud é como Shakespeare, povoa o imaginário coletivo e é
conhecido “por tabela”. De acordo com Kate Millett, a visão de Freud com
relação à mulher é, além de contraditória, cheia de misticismo. Sua crença na
inferioridade intelectual do sexo feminino devido à sua natureza mais primitiva
é especialmente desconcertante.
Infelizmente, ele não é o único a propagandear dados científicos mais do
que duvidosos. Particularmente interessante é perceber como o discurso da
supremacia masculina tenta se adaptar a cada época. No período vitoriano, há a ideia
de cavalheirismo, na qual mulheres tinham vidas extremamente limitadas “para
sua própria proteção” e as que ousassem qualquer outra coisa, as “fallen women”
eram aquelas que haviam perdido o contato com sua verdadeira natureza e tentavam
ocupar o lugar dos homens na sociedade. Com o passar do tempo, aparecem as ideias
da submissão feminina através do ato sexual, juntamente ao desprezo pela mulher
com qualquer tipo de ambição intelectual. Posteriormente, o desprezo ao sexo
feminino de modo geral, ante a inevitabilidade da emancipação feminina, aparece
na forma da redução de todas as mulheres apenas ao sexo.
É bastante interessante a análise de cenas e de escolhas narrativas pela
perspectiva de relações de poder e é isso que Kate Millett faz em grande parte
do seu livro. Suas considerações são bem embasadas e, por isso mesmo, bastante
assustadoras.
O que mais me surpreendeu foi a persistência de um tema que se pode
encontrar facilmente na atualidade - a ideia das esferas diferentes. De modo
sutil ou escancarado essa ideia percorre toda a história da relação entre os gêneros,
frases como:
“Mulheres são mais emotivas.”
“Homens são melhores em matemática.”
“Homens são mais visuais.”
“Mulheres são naturalmente mais intuitivas, e homens mais
racionais.”
partem do princípio das esferas diferentes explicadas no livro. É
frustrante ver algo assim ainda presente na sociedade. Também é um pouco
decepcionante ver como um livro escrito há mais de 40 anos possa ser tão
relevante e não só como documento histórico, mas como uma análise de problemas
que ainda não foram resolvidos.
Política Sexual é uma obra ousada e muito esclarecedora e, como tal,
deve estar presente em qualquer biblioteca feminista que se preze.
Nota: Eu sei que há um versão em português publicada pela Dom Quixote,
que é uma editora de Portugal. Não conheço nenhuma versão brasileira.
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