quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Política Sexual - Kate Millett



Política Sexual, escrito por Kate Millett, foi publicado em 1970 e é considerado o primeiro livro de crítica literária feminista. A obra foi o resultado da tese de doutorado da autora e causou bastante polêmica, tanto no mundo literário quanto no feminista. 

O livro fala sobre alguns clássicos da literatura e sobre obras filosóficas e da psicologia, analisadas sob a perspectiva das relações de gênero e da representação da mulher. 

É um livro bastante denso, afinal, é uma tese de doutorado. Kate Millett encheu 361 páginas de informação condensada, cada parágrafo oferece algo novo sobre o tema discutido. Demorei um pouco para terminar de lê-lo, pois Política Sexual exige bastante concentração, tanto pela avalanche de conteúdo quanto pelo modo como o conteúdo é apresentado. 

Basicamente, o livro fala da defesa do patriarcalismo e da opressão da mulher presentes nas obras analisadas pela autora. O escopo de Kate Millett é bastante amplo, ela fala desde a primeira revolução sexual no período vitoriano até a obra de Jean Genet (1910 – 1986), seu contemporâneo. Com muitos dados históricos, o livro não pretende analisar o valor literário das obras abordadas e sim como se dá a relação de poder entre os sexos e a mistificação (ou não) do feminino e do masculino em cada uma delas. 

Uma das partes mais interessantes, em minha opinião, foi a análise da obra de Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, cuja influência perdura até hoje. Freud é como Shakespeare, povoa o imaginário coletivo e é conhecido “por tabela”. De acordo com Kate Millett, a visão de Freud com relação à mulher é, além de contraditória, cheia de misticismo. Sua crença na inferioridade intelectual do sexo feminino devido à sua natureza mais primitiva é especialmente desconcertante. 

Infelizmente, ele não é o único a propagandear dados científicos mais do que duvidosos. Particularmente interessante é perceber como o discurso da supremacia masculina tenta se adaptar a cada época. No período vitoriano, há a ideia de cavalheirismo, na qual mulheres tinham vidas extremamente limitadas “para sua própria proteção” e as que ousassem qualquer outra coisa, as “fallen women” eram aquelas que haviam perdido o contato com sua verdadeira natureza e tentavam ocupar o lugar dos homens na sociedade. Com o passar do tempo, aparecem as ideias da submissão feminina através do ato sexual, juntamente ao desprezo pela mulher com qualquer tipo de ambição intelectual. Posteriormente, o desprezo ao sexo feminino de modo geral, ante a inevitabilidade da emancipação feminina, aparece na forma da redução de todas as mulheres apenas ao sexo. 

É bastante interessante a análise de cenas e de escolhas narrativas pela perspectiva de relações de poder e é isso que Kate Millett faz em grande parte do seu livro. Suas considerações são bem embasadas e, por isso mesmo, bastante assustadoras. 

O que mais me surpreendeu foi a persistência de um tema que se pode encontrar facilmente na atualidade - a ideia das esferas diferentes. De modo sutil ou escancarado essa ideia percorre toda a história da relação entre os gêneros, frases como: 

“Mulheres são mais emotivas.” 

“Homens são melhores em matemática.” 

“Homens são mais visuais.” 

“Mulheres são naturalmente mais intuitivas, e homens mais racionais.” 

partem do princípio das esferas diferentes explicadas no livro. É frustrante ver algo assim ainda presente na sociedade. Também é um pouco decepcionante ver como um livro escrito há mais de 40 anos possa ser tão relevante e não só como documento histórico, mas como uma análise de problemas que ainda não foram resolvidos. 

Política Sexual é uma obra ousada e muito esclarecedora e, como tal, deve estar presente em qualquer biblioteca feminista que se preze.

Nota: Eu sei que há um versão em português publicada pela Dom Quixote, que é uma editora de Portugal. Não conheço nenhuma versão brasileira.

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