segunda-feira, 26 de julho de 2021

História do amor

 Eu fui estuprada e tudo ocorreu como deveria. Ele estava por cima e pediu que eu abrisse as pernas e eu abri. Mais, ele disse. E eu abri mais. Ele me penetrou e tá doendo? ele disse. Diz que tá doendo. E eu disse: tá doendo. E ele gemeu. E ele gozou. 


Ele limpou sua mão melada no meu cabelo e disse: obrigado, meu anjo. E me bateu, mas não para matar. Ele não era assassino. Ele tinha mãe, pai, irmã. Talvez uma namorada. Provavelmente uma namorada. Ele me bateu, mas não quebrou nada. Ele não era mau.

Eu não procurei a polícia porque me olhariam e eu sabia de tudo. Voltei pra casa e tomei banho. Joguei as roupas sujas de sangue e sêmen num canto do quarto. Todos dormiam, ninguém me viu. Tudo doía e eu não tentava me mexer. Fique quietinha, meu amor, ele disse. 

Foi tudo como deveria. Eu estava de saia. Eu estava bêbada. Eu saí sozinha à noite. Sou feia, deveria agradecer, dizem uns. Também... dizem outros. Eu não gritei, eu não tentei fugir, eu não tentei bater. Eu não dificultei. Eu fiquei quieta e obedeci. 

Depois eu chorei, depois eu sofri. Depois eu quis morrer. Eu tentei morrer. Então, lembrei da minha mãe e de como ela também morreria e desisti. Eu continuo. Eu estou aqui. Ninguém sabe. As marcas no meu rosto sumiram. Foi tudo como deveria. Eu continuo. A mesma. O mundo continua. O mesmo. Ele continua. O mesmo. Nada mudou. 

Foi tudo muito rápido, menos de cinco minutos talvez. Pareceu mais enquanto eu contava os movimentos do corpo dele. Não dava pra ver muita coisa naquela noite. Ainda não sei como um borrão pode ser tão nítido. Levanto da cama pensando. Vou deitar pensando. Não foi nada de mais. Ocorreu tudo como deveria. 

Nada mudou. Antes eu era triste e eu continuo triste. Antes eu sofria e eu continuo sofrendo. Antes eu estava cansada e eu continuo cansada. Nada mudou. Eu fui estuprada e tudo ocorreu como deveria. Ele ficou satisfeito. Eu fiquei calada. O mundo ficou o mesmo. 


Três comprimidos além da dose não mudarão nada.

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