segunda-feira, 12 de julho de 2021

Tempos líquidos - Zygmuny Bauman (Parte 2)



A parte um está aqui.

Bauman passa então a falar sobre os direitos nas nascentes democracias. Ele começa afirmando que foi principalmente na Europa que o medo mais se desenvolveu nos últimos tempos e explica que esse medo e sua consequente insegurança vêm da crença de que a segurança total pode ser alcançada, mas quando isso não acontece – e nunca pode acontecer – deve haver um vilão. Para o autor, o vilão elegido é o humano, derivado da “habilidade e/ou indisposição para tornar esse companheirismo duradouro e seguro, e portanto confiável.” (BAUMAN, 2007, p. 63). Esse medo, ou insegurança, teria surgido por dois motivos que tiveram origem na Europa:

“a “sobrevalorização” dos indivíduos libertados das restrições impostas pela densa rede de vínculos sociais” e “a fragilidade e vulnerabilidade sem precedentes desses indivíduos, privados da proteção que lhes era oferecida trivialmente no passado por aquela densa rede de vínculos sociais”. (BAUMAN, 2007, p. 64)

 

            Então, Bauman entra na questão do Estado moderno e afirma que a ele foi conferida a tarefa de administrar o medo e que, para isso, era necessário criar uma nova rede de proteção a partir do zero. Para ele é a proteção e não a distribuição de riquezas que está no centro do “Estado social”. Nesse sentido, ele ressalta que “a luta dos direitos pessoais foi estimulada pelo desejo dos afortunados” (2007, p. 67), que esperavam manter ou aumentar seu status. Citando Marshall, o autor afirma que o passo seguinte foi a demanda por direitos políticos pois os direitos pessoais já tinham sido obtidos e era necessário defendê-los. Para Bauman, eles são dependentes: “A segurança das pessoas e a proteção de suas propriedades são condições indispensáveis para a capacidade de lutar efetivamente pelo direito à participação política.” (2007, p. 68). Além disso, a junção desses direitos é exercida pelos poderosos, ou os já seguros, O direito do voto só poderia ser exercido pelos que já possuíam recursos econômicos e culturais. Daí vem a problemática do sufrágio universal e da impossibilidade, no começo das democracias, de mulheres, negros e analfabetos votarem. Em alguns lugares, como no Brasil, era preciso ter renda mínima para garantir o direito ao voto. Isso faz com que os excluídos tenham poucas chances de adquirir os recursos necessários para exercer direitos políticos, afinal, são excluídos destes. Bauman ainda afirma que, sem esses direitos, não é possível haver confiança nos direitos pessoais e que, sem direitos sociais, também não é possível haver direitos políticos, o que deixa os pobres e os excluídos à mercê da “caridade” dos governos.

            Bauman continua para afirmar que diversos riscos de fracasso acompanham a liberdade de escolha, mas que, para a maioria das pessoas, ela não é uma possibilidade a menos que o medo da derrota seja tirado de cena por uma política de seguro comunitária. Sem isso, os mais desafortunados ficam sem salvação e perdem a fé nos direitos políticos.

            Retomando a história do Estado moderno, Bauman afirma que houve uma mudança em sua função: ele passou de ter a tarefa de ajustar as instituições às realidades existentes para reformar as realidades sociais. Afirma ainda que, na atualidade, “A irrevogabilidade da exclusão é uma consequência direta, embora imprevista, da decomposição do Estado social.” (BAUMAN, 2007, p. 75). Nesse sentido, ele exemplifica a questão do desemprego. Nos dias de hoje, estar desempregado deixa de ser uma aflição temporária que será resolvida, mas passa a ser o rótulo de alguém que se tornou descartável, destinado ao “lixo humano” sobre o qual já falou antes. Isso acontece pela ineficácia do Estado em prover uma rede de proteção. 


Em seguida, Bauman (2007) passa a falar sobre as cidades. Para ele, a grande densidade humana coincide com o medo e a tendência de buscar culpados para esse medo. Há uma separação entre “nós” e “eles”, e a cidade começa a representar mais perigo do que proteção. Como exemplo, ele cita os misteriosos estrangeiros que vagueiam. Como solução, há a separação e a manutenção da distância dos indesejáveis. Outro exemplo que Bauman dá é a remoção dos sem-tetos das consideradas boas vizinhanças. Para ele, as pessoas da camada superior não pertencem ao lugar em que vivem, têm interesses no mundo interconectado do ciberespaço e, por isso, não há interesse na cidade em que moram. A outra parte da população é o oposto, pois está fora dessa interconectividade e são cidadãos locais, com preocupações também locais.

É por essa diferença que as ameaças ao corpo ou à propriedade se tornam importantes na avaliação de um bom lugar para viver. Ele diz (2007, p. 83):

A incerteza do futuro, a fragilidade da posição social e a insegurança existencial – essas circunstâncias ubíquas da vida no mundo “líquido-moderno”, notoriamente enraizadas em lugares remotos e, portanto, situadas além do controle individual – tendem a se concentrar nos alvos mais próximos; os tipos de preocupações que, por sua vez, se transformam em impulsos segregacionistas/exclusivistas, conduzindo inexoravelmente a guerras no espaço urbano.

 

            Para ele, é fundamental a mudança da nova elite que, agora, é globalmente orientada e não tem mais compromisso com a população local, ou seja, os que foram deixados para trás. O efeito do medo fortifica e estabiliza fronteiras fazendo com que o antagonismo entre esses grupos aumente. No entanto, as elites estão fisicamente presas ao corpo da cidade, por isso, é nelas que os poderes globais e os significados e identidades se chocam. Isso porque:

Os verdadeiros poderes que modelam as condições sob as quais agimos atualmente fluem num espaço global, enquanto nossas instituições de ação política permanecem amplamente presas ao solo – elas são, tal como antes, locais. (BAUMAN, 2007, p. 87)

 

            Esse é o paradoxo da atualidade: é só em relação aos temas locais que nossas ações fazem a diferença, no entanto, vivemos num mundo globalizado que não pode ser atingido por tais ações. Para Bauman, as cidades se tornaram o depósito local de problemas gerados globalmente, o que sobrecarrega a política e a torna incapaz de lidar com os problemas que surgem.

            Bauman volta a falar do medo quando cita a presença de estranhos visíveis, os quais geram incerteza, medo e, até mesmo, agressão.  Essa presença, no entanto, é inevitável, mesmo com todos os recursos de que os “homens de bem” se utilizam para eliminá-la. Há, para o autor, um desejo de evitar a participação real, o que gera “uma comunidade da mesmice” (Bauman, 2007, p. 93). É como se as pessoas tivessem desaprendido a lidar com a diferença. No entanto, a esquematização mesma da cidade obriga a lidar com o diferente, o que causa um processo de desestabilização. Esse processo causa a segregação, considerada uma cura para os perigos representados pelos estranhos. Por fim, Bauman termina afirmando que as cidades podem ser laboratórios em que se aprende a conviver com a diferença. Dessa forma, vemos, novamente, como o medo tem função fundamental nas considerações de Bauman.

            Na sequência, Bauman diz que todos temos problemas e que as adversidades são incômodas porque chegam sem aviso. Isso causa uma falta de esperança que gera medo. Novamente, vemos aqui a importância que este pensador dá à ideia de medo. Essa pequena introdução é feita para que se chegue ao termo utopia, que, para ele, graças a sir Thomas More, é designado para significar nossos sonhos com um mundo em que podemos acreditar. No entanto, Bauman enfatiza que sir Thomas sabia que isso era apenas um sonho. Ele também diz que, no mundo moderno, o progresso significava uma corrida atrás de utopias e não sua realização, pois ela é impossível. Ele afirma que o nascimento das utopias decorre de dois motivos: um sentimento de que o mundo não funciona de maneira adequada e a confiança na capacidade humana de consertá-lo.

            Para se aprofundar na questão, Bauman utiliza três metáforas. A primeira é a do guarda-caça, que seria o pré-moderno e defenderia a terra contra toda a interferência humana. A ideia aqui é manter. A segunda é a do jardineiro, que seria o moderno e construiria o jardim de acordo com sua vontade, eliminando as ervas daninhas, ou seja, o indesejável. A terceira é a do caçador, o pós-moderno, que não se importa com a noção de equilíbrio, ou seja, com a possibilidade de que algum dia não haja mais caça. Este último fenômeno, Bauman explica, é o processo de individualização. Nesse caso, há pouco espaço para a utopia.

            Bauman conta que pesquisou a palavra “utopia” no Google e que os registros são muitos. O primeiro deles se trata de um jogo on-line e gratuito. Ele diz que sua impressão após essa busca mostra que o termo foi apropriado por empresas de viagens, cosméticos e decoração de interiores. O que eles têm em comum é que fornecem serviços individuais. Se, antes, a utopia significava uma busca pela melhora coletiva, agora ela diz respeito à sobrevivência individual para pessoas aterrorizadas pela ideia de serem deixadas para trás. Ou seja, novamente temos aqui a ideia de medo.     

            Voltando à metáfora da caça, Bauman afirma que ela é uma tarefa de tempo integral de luta contra a insegurança, o que deixa pouco espaço para reflexão. A expectativa de término do ato de caçar é assustadora, pois seu fim só pode significar exclusão e derrota. Nesse sentido, a caça se torna um tipo de utopia sem um fim, que promete o impossível: a solução para os problemas humanos. No entanto, essa utopia possui uma característica diferente: em vez de se voltar para o futuro, ela está no aqui e agora. Ela também não fornece um significado para a vida, apenas ajuda a não pensar sobre o seu significado.

Em linhas gerais, essas são as considerações de Bauman que o levam à ideia de liquidez. 

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