terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O êxtase




Teresa é uma mulher devota, boa mãe e excelente funcionária. Sabe que a vida é dura e o mundo cruel, por isso vive de acordo com as regras. O resto, deixa nas mãos de Deus, que sabe o que faz.

Virgem, trocou a faculdade pelo marido. Casou-se aos dezenove anos. Ninguém acreditou quando, aos dezesseis, fez-se interessar pelo garoto mais cobiçado da escola. Teresa sabe o motivo de sua conquista. Não, não foram seus seios avantajados. Foi a sua inteligência. Enquanto todas aquelas meninas disputavam a garupa da moto de Alberto, ela simplesmente esperou que ele a notasse.
Abençoada, Teresa mora em um apartamento amplo e tem dois filhos lindos. A menina, tão geniosa, teve a sorte de encontrar um marido que a idolatra. No casamento da garota de apenas vinte e um anos, Teresa, como a boa mãe que é, proferiu o mais sábio conselho: entre quatro paredes vale tudo.

Juninho ainda mora com ela. Está fazendo a segunda faculdade e já anda com o carro da empresa. Logo vai ser sócio. Teresa nunca permite que ele saia com um vinco sequer na camisa. Menino de ouro, mesmo com uma torção no pé, continuou indo ao escritório. Foram semanas difíceis, Teresa teve que ajudá-lo em quase tudo. Nem sair do banheiro e se enxugar o menino conseguia fazer sozinho. O orgulho de mãe falou mais alto que o cansaço. Um rapaz já. Tão inteligente. Tão bonito. Um pênis tão lisinho e roliço. Que mulher não gostaria de um mimo desses?

Emancipada, não fora feita para depender de homem. Depois de limpar toda a sua vasta residência com muito esmero, Teresa preparava-se para mais um dia de trabalho. Sempre chegava no mínimo uma hora mais cedo. Se alguém duvidasse, o registro no ponto eletrônico era a prova.

Sempre a primeira, Teresa adorava lembrar a todos de suas horas extras gratuitas. Outro fato muito curioso e sempre mencionado era que, invariavelmente às dezessete horas, marcava a saída e se retirava do recinto. Tal peculiaridade decerto causa espanto aos responsáveis pelo RH, os quais sem dúvida indagam sobre a funcionária que chega tão cedo e sempre sai às dezessete em ponto. Teresa passava os minutos finais de seu dia laboral refletindo sobre o assunto e imaginando a perplexidade dos colegas desconhecidos.

Exausta com tantas incumbências da mais suma importância, não se conformava em atender ao telefone. As pessoas que ligavam eram todas simples, sem instrução. Um dia mesmo, Teresa se viu obrigada a assumir a extenuante tarefa de decifrar o que uma mulher queria. Foi difícil de entender, mas parece que a tal da Fulana era casada com um velho e o velho tinha ficado gagá. Era impressionante, era só esses velhos ficarem viúvos que casavam com uma mulher muito mais nova – a faxineira, a vizinha, qualquer sirigaita que estivesse por perto. Você acha que pode uma mulher de 37 anos com um velho de 85? Teresa sentia o cheiro dessa gente de longe. A Fulaninha ficava dizendo, preciso de um papel. Esse povo sempre atrás de um papel. O que ela queria era uma procuração para pôr a mão no dinheiro do velho. Nesses casos Teresa se comportava muito bem, era extremamente formal, usando termos jurídicos os mais variados e falando tão alto quanto necessário.

Naquela manhã chegou à repartição às sete e quinze. Com a mesa cada vez mais cheia, não almoçar, como era seu costume, seria insuficiente. Sua diretora estava em licença e Teresa ficara responsável pela qualidade e fluidez do trabalho. A zelosa funcionária precisava deixar o serviço em dia. Fazia tudo. Menos assinar. Era uma funcionária burocrática cujo nome não tinha valor algum. Os diretores rabiscavam seus nomes no papel e apenas isso validava as palavras escritas por Teresa. Não havia problema, todos sabiam quem era a mente pensante responsável por todas as decisões tomadas ali.

Perseverante, Teresa enfrentava todo dia uma batalha. Antes mesmo de começar sua jornada, percebeu o porvir. Naquele horário só ela encontrava-se no prédio. Ao tentar abrir a porta, seu primeiro obstáculo. Algo errado, parecia que a madeira estava cedendo. Outro funcionário ficaria ali, esperando que a porta se abrisse como mágica. Teresa, no entanto, não seria vencida. Usou toda a sua força para levantar e empurrar a madeira, conseguindo assim entrar no silencioso e escuro escritório.

Ágil, iniciou seu computador e, como sempre, abriu as janelas, acendeu as luzes e preparou o café. De volta à mesa, assustou-se, a máquina não ligava. Apertou o botão mais uma vez. Nada. Entrou em pânico, como fazer seu trabalho desse modo? Se perdesse seus arquivos, estaria arruinada. Teresa não era mulher de lamentos, em meio a tão grave crise, teve uma ideia brilhante e audaz. E se tirasse o aparelho da tomada, colocasse novamente e tentasse ligá-lo mais uma vez? O sucesso era uma possibilidade, mas precisava de autorização. Não ousaria tomar tamanha decisão sem o aval de um diretor. O que fazer? O que fazer? Decidiu se arriscar, após uma breve e sincera prece a Santo Expedito, extremamente ansiosa, Teresa realizava um dos mais destemidos atos de sua vida funcional. Executou seu plano com rapidez e precisão, em menos de vinte minutos, os arquivos frente a seus olhos. Quase chorou de alívio.

Assim que a primeira colega pôs o pé na sala, Teresa deu vazão a toda aquela afluência de sentimentos e contou sua saga reiteradas vezes, deleitando a outra funcionária com os detalhes de sua peripécia matinal. Quando a primeira diretora chegou, Teresa explicou o caso e desculpou-se pela ousadia, argumentando não haver outra maneira. A diretora, sempre tão amável, disse que sem problemas e entregou uma pilha de contratos para Teresa redigir, os quais seriam posteriormente corrigidos e assinados com a devida pompa.

Na sala, Teresa mostrou a montanha de trabalho e discorreu sobre a bondade e compreensão da diretora que no momento estava na manicure, pois não era de bom tom alguém de sua importância ter unhas desalinhadas.

Assoberbada, Teresa não pôde atender ao telefone, que tocava incessantemente. Também não notou os ciúmes que os demais funcionários sentiam devido à sua relação tão próxima com os Superiores.

Eficiente, Teresa trabalhou com afinco até ver sua mesa limpa, só assim poderia dormir o sono dos justos. Dez minutos antes do horário de saída, apanhou seus pertences e aproveitou os momentos finais para ler o último livro de Nicholas Sparks, comprado no final de semana, depois que terminara a saga erótica Chamas na escuridão. Precisamente às dezessete, registrou seu ponto e voltou para casa.

Prendada, fez comida fresca. Não havia outra opção. Lavou toda a louça sozinha. Passou a camisa do filho. Telefonou para a cunhada, que amava como irmã, e contou sobre todas as vitórias daquela semana. No horário nobre, sentou-se no sofá e divertiu-se com as mulheres fictícias, algumas tontas, outras que não se davam ao respeito e, outras ainda, muito fúteis. Nos intervalos falava sobre sua vida no escritório para Alberto, muito concentrado no notebook, decerto trabalhando.

Cansada, com o fim da novela, banhou-se, cuidou da pele e cabelos e fez todo um ritual de beleza após o qual enfiou-se no pijama de flanela e dedicou-se a resolver palavras cruzadas na cama. Na meia luz do quarto se sentiu perdida com todo aquele formigamento de ideias. Com a face transtornada, Teresa olhava fixamente para o papel. De repente, deu gritinho de prazer. Pão de forma alongada. 7 letras. Bisnaga.


2 comentários: