Teresa é uma mulher devota, boa mãe e excelente funcionária. Sabe que a vida é dura e o mundo cruel, por isso vive de acordo com as regras. O resto, deixa nas mãos de Deus, que sabe o que faz.
Virgem,
trocou a faculdade pelo marido. Casou-se aos dezenove anos. Ninguém acreditou
quando, aos dezesseis, fez-se interessar pelo garoto mais cobiçado da escola. Teresa
sabe o motivo de sua conquista. Não, não foram seus seios avantajados. Foi a
sua inteligência. Enquanto todas aquelas meninas disputavam a garupa da moto de
Alberto, ela simplesmente esperou que ele a notasse.
Abençoada,
Teresa mora em um apartamento amplo e tem dois filhos lindos. A menina, tão
geniosa, teve a sorte de encontrar um marido que a idolatra. No casamento da
garota de apenas vinte e um anos, Teresa, como a boa mãe que é, proferiu o mais
sábio conselho: entre quatro paredes vale tudo.
Juninho
ainda mora com ela. Está fazendo a segunda faculdade e já anda com o carro da
empresa. Logo vai ser sócio. Teresa nunca permite que ele saia com um vinco
sequer na camisa. Menino de ouro, mesmo com uma torção no pé, continuou indo ao
escritório. Foram semanas difíceis, Teresa teve que ajudá-lo em quase tudo. Nem
sair do banheiro e se enxugar o menino conseguia fazer sozinho. O orgulho de
mãe falou mais alto que o cansaço. Um rapaz já. Tão inteligente. Tão bonito. Um
pênis tão lisinho e roliço. Que mulher não gostaria de um mimo desses?
Emancipada,
não fora feita para depender de homem. Depois de limpar toda a sua vasta residência
com muito esmero, Teresa preparava-se para mais um dia de trabalho. Sempre
chegava no mínimo uma hora mais cedo. Se alguém duvidasse, o registro no ponto
eletrônico era a prova.
Sempre
a primeira, Teresa adorava lembrar a todos de suas horas extras gratuitas.
Outro fato muito curioso e sempre mencionado era que, invariavelmente às dezessete
horas, marcava a saída e se retirava do recinto. Tal peculiaridade decerto
causa espanto aos responsáveis pelo RH, os quais sem dúvida indagam sobre a
funcionária que chega tão cedo e sempre sai às dezessete em ponto. Teresa
passava os minutos finais de seu dia laboral refletindo sobre o assunto e
imaginando a perplexidade dos colegas desconhecidos.
Exausta
com tantas incumbências da mais suma importância, não se conformava em atender
ao telefone. As pessoas que ligavam eram todas simples, sem instrução. Um dia
mesmo, Teresa se viu obrigada a assumir a extenuante tarefa de decifrar o que
uma mulher queria. Foi difícil de entender, mas parece que a tal da Fulana era
casada com um velho e o velho tinha ficado gagá. Era impressionante, era só
esses velhos ficarem viúvos que casavam com uma mulher muito mais nova – a
faxineira, a vizinha, qualquer sirigaita que estivesse por perto. Você acha que
pode uma mulher de 37 anos com um velho de 85? Teresa sentia o cheiro dessa
gente de longe. A Fulaninha ficava dizendo, preciso de um papel. Esse povo
sempre atrás de um papel. O que ela queria era uma procuração para pôr a mão no
dinheiro do velho. Nesses casos Teresa se comportava muito bem, era
extremamente formal, usando termos jurídicos os mais variados e falando tão
alto quanto necessário.
Naquela
manhã chegou à repartição às sete e quinze. Com a mesa cada vez mais cheia, não
almoçar, como era seu costume, seria insuficiente. Sua diretora estava em
licença e Teresa ficara responsável pela qualidade e fluidez do trabalho. A
zelosa funcionária precisava deixar o serviço em dia. Fazia tudo. Menos
assinar. Era uma funcionária burocrática cujo nome não tinha valor algum. Os diretores
rabiscavam seus nomes no papel e apenas isso validava as palavras escritas por Teresa.
Não havia problema, todos sabiam quem era a mente pensante responsável por
todas as decisões tomadas ali.
Perseverante,
Teresa enfrentava todo dia uma batalha. Antes mesmo de começar sua jornada,
percebeu o porvir. Naquele horário só ela encontrava-se no prédio. Ao tentar
abrir a porta, seu primeiro obstáculo. Algo errado, parecia que a madeira
estava cedendo. Outro funcionário ficaria ali, esperando que a porta se abrisse
como mágica. Teresa, no entanto, não seria vencida. Usou toda a sua força para
levantar e empurrar a madeira, conseguindo assim entrar no silencioso e escuro
escritório.
Ágil,
iniciou seu computador e, como sempre, abriu as janelas, acendeu as luzes e
preparou o café. De volta à mesa, assustou-se, a máquina não ligava. Apertou o
botão mais uma vez. Nada. Entrou em pânico, como fazer seu trabalho desse modo?
Se perdesse seus arquivos, estaria arruinada. Teresa não era mulher de lamentos,
em meio a tão grave crise, teve uma ideia brilhante e audaz. E se tirasse o aparelho
da tomada, colocasse novamente e tentasse ligá-lo mais uma vez? O sucesso era
uma possibilidade, mas precisava de autorização. Não ousaria tomar tamanha
decisão sem o aval de um diretor. O que fazer? O que fazer? Decidiu se
arriscar, após uma breve e sincera prece a Santo Expedito, extremamente
ansiosa, Teresa realizava um dos mais destemidos atos de sua vida funcional.
Executou seu plano com rapidez e precisão, em menos de vinte minutos, os
arquivos frente a seus olhos. Quase chorou de alívio.
Assim
que a primeira colega pôs o pé na sala, Teresa deu vazão a toda aquela
afluência de sentimentos e contou sua saga reiteradas vezes, deleitando a outra
funcionária com os detalhes de sua peripécia matinal. Quando a primeira
diretora chegou, Teresa explicou o caso e desculpou-se pela ousadia,
argumentando não haver outra maneira. A diretora, sempre tão amável, disse que sem
problemas e entregou uma pilha de contratos para Teresa redigir, os quais seriam
posteriormente corrigidos e assinados com a devida pompa.
Na
sala, Teresa mostrou a montanha de trabalho e discorreu sobre a bondade e
compreensão da diretora que no momento estava na manicure, pois não era de bom
tom alguém de sua importância ter unhas desalinhadas.
Assoberbada,
Teresa não pôde atender ao telefone, que tocava incessantemente. Também não notou
os ciúmes que os demais funcionários sentiam devido à sua relação tão próxima
com os Superiores.
Eficiente,
Teresa trabalhou com afinco até ver sua mesa limpa, só assim poderia dormir o
sono dos justos. Dez minutos antes do horário de saída, apanhou seus pertences
e aproveitou os momentos finais para ler o último livro de Nicholas Sparks,
comprado no final de semana, depois que terminara a saga erótica Chamas na escuridão. Precisamente às dezessete,
registrou seu ponto e voltou para casa.
Prendada,
fez comida fresca. Não havia outra opção. Lavou toda a louça sozinha. Passou a
camisa do filho. Telefonou para a cunhada, que amava como irmã, e contou sobre
todas as vitórias daquela semana. No horário nobre, sentou-se no sofá e
divertiu-se com as mulheres fictícias, algumas tontas, outras que não se davam
ao respeito e, outras ainda, muito fúteis. Nos intervalos falava sobre sua vida
no escritório para Alberto, muito concentrado no notebook, decerto trabalhando.
Cansada,
com o fim da novela, banhou-se, cuidou da pele e cabelos e fez todo um ritual
de beleza após o qual enfiou-se no pijama de flanela e dedicou-se a resolver
palavras cruzadas na cama. Na meia luz do quarto se sentiu perdida com todo
aquele formigamento de ideias. Com a face transtornada, Teresa olhava fixamente
para o papel. De repente, deu gritinho de prazer. Pão de forma alongada. 7
letras. Bisnaga.
Sim, baita texto no final!
ResponderExcluirhahhahahahaha tão fantástico e impressionante quanto a vida dessa pessoa!
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