Era como se Marília sempre tivesse sido mãe. Sua carreira
promissora na juventude fora apagada pelos muitos anos em que cuidou dos
filhos. Era a mãe modelo. Sempre respeitando, sempre tentando ouvir, deixando
que as crianças, e depois adultas, tivessem sempre sua individualidade.
Quando seu pai morreu, se tornou mãe da própria mãe, que
tinha sido criada à moda antiga e, como tal, não sabia fazer nada da vida
prática sozinha. Marília tinha que levá-la ao mercado, ao médico, à
fisioterapia, à natação. Também precisava ter os cuidados emocionais, então a visitava
todos os dias para que não se sentisse sozinha. Na casa pequena de Marília, não
havia espaço físico para sua mãe.
Era uma espécie de tortura porque a mãe, diferente de
Marília, nunca tinha sido uma mãe de verdade e a deixara com feridas profundas
e uma sensação de abandono da qual não conseguia se desvencilhar e que, sem
querer, passou para as filhas.
A situação piorou quando veio o diagnóstico de Parkinson.
Foi preciso encontrar lugar para a mãe de Marília em sua casa e isso aconteceu
porque, naquele ano, as duas filhas se mudaram. Uma para casar, a outra para
morar sozinha.
Marília deparava-se com uma nova filha. Um corpo de mulher
exigindo cuidados de criança. Fraldas, pomadas, papinhas. Tudo durou mais ou
menos cinco anos e, nesse período, a filha de Marília que havia saído para
morar sozinha e que se chamava Clarice, voltou. Dormia na sala. Era depressiva
e bipolar, então Marília precisava cuidar dela também. Duas filhas grandes como
se fossem pequenas não é tarefa fácil para uma mulher, mas Marília era a
mulher. E fazia tudo não com resignação, mas com uma vontade de ferro.
Depois que a mãe partiu e a Clarice melhorou (encontrou um
bom psiquiatra e acertou os remédios), ela decidiu fazer inseminação artificial
e ter seu próprio filho ou filha. Marília apoiou, sua outra filha tinha uma
mulher, uma companhia, mas Clarice era sozinha. Talvez por seus problemas nunca
conseguiu fixar-se em um relacionamento duradouro.
Fizeram o procedimento com todos os medos, dores e alegrias
que ele traz e Clarice finalmente engravidou. Uma menina a que chamou Cecília.
Clarice tomava seus remédios, estava bem e cuidava da filha
com o maior amor que conseguia sentir. Marília também fazia sua parte, era mais
que avó, era segunda mãe.
Conforme Cecília crescia, Clarice começou a ter cada vez
mais dificuldades em engolir. Principalmente os remédios, engasgava e vomitava
com frequência. Marília se preocupava e exigiu que ela fizesse os exames de
Parkinson. Eles não são tão precisos assim, mas era melhor ter uma ideia.
O médico foi taxativo. Sim, havia a presença do Parkinson, e
os sintomas começariam a aparecer. Marília e Clarice choraram muito. Clarice
tinha presenciado todo o sofrimento da mãe e não queria que ela passasse por
tudo aquilo de novo. Cecília tinha cinco anos.
Conversaram muito e tomaram uma decisão. Mãe, não chore por
mim, te deixo de presente meu bem mais precioso. Cuide dela e tente fazer ela
não se esquecer de mim. Eu te amo com todo o meu coração e quero que você viva
feliz.
Clarice pegou todos os comprimidos de Rivotril que tinha em
casa e os tomou de uma vez. Deitou-se no colo da mãe com a filha a seu lado.
Quando percebeu que Clarice havia parado de respirar, a mãe acariciou seus
cabelos, pegou o celular e chamou a ambulância.
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