Ontem assisti Requiem for the American Dream,
que começa com as credenciais de Noam Chomsky - apenas um dos intelectuais mais
influentes de nossa época. O documentário é baseado em uma série de entrevistas
feitas durante quatro anos. Já vou dizer que achei a legendagem bem
mais ou menos, podiam ter feito um trabalho muito melhor nessa parte. Já vou dizer em segundo lugar que esse post é basicamente um monte de citação que eu adorei. É o Noam Chomsky, mano, achei melhor deixar ele "falar".
A primeira coisa que Chomsky diz é:
"A desigualdade é realmente sem precedentes" ... "a desigualdade
vem da riqueza extrema em uma pequena parcela da população, uma fração de um
por cento."
Sabe aquele maldito um por cento? Pois é,
mas o que tem de errado com isso, fora a raiva incontrolável que dá?
"Não só é extremamente injusta por si
própria, a desigualdade tem consequências muito negativas em toda a sociedade,
pois a sua simples existência tem um efeito corrosivo e prejudicial à
democracia."
"É importante entender que setores
privilegiados e poderosos nunca gostaram da democracia por vários bons motivos.
A democracia coloca o poder nas mãos do povo e tira deles."
O documentário é uma análise da sociedade
americana, mas tem muita coisa que faz pensar. Há várias semelhanças com o
Brasil. É tudo bem esquematizado e organizadinho. São apresentados OS 10
PRINCÍPIOS DA CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA E PODER.
"A concentração de riqueza gera a de
poder, principalmente conforme o custo das eleições aumenta muito, o que força
os partidos políticos a serem controlados por grandes corporações."
OU POR QUE NÃO PODEMOS TER FINANCIAMENTO PRIVADO
DE CAMPANHA POLÍTICA.
"E esse poder político logo se
estende à legislação, que aumenta a concentração de riqueza. Então a política
fiscal, como a tributária... desregulamentação... regras de governança
corporativa e toda uma série de medidas políticas são desenvolvidas para
aumentar a concentração de riqueza e poder que, em troca, faz com que mais
poder político faça a mesma coisa. E isso é o que temos visto."
Ou seja, acabamos tendo um governo
dominado pelos interesses privados. Não parece bom.
"As pessoas que Adam Smith chamou de ‘mestres
da humanidade’, e eles estão seguindo a máxima vil: ‘tudo para nós e nada para
os outros’. Eles buscam políticas que os beneficiem e prejudiquem o restante. E
na falta de uma reação popular geral, é isso mesmo o que acontece."
Os 10 malditos princípios são:
1 - Reduzir a democracia
2 - Moldar a ideologia
3 - Redesenhar a economia
4 - Deslocar o fardo
5 - Atacar a solidariedade
6 - Controlar os reguladores
7 - Controlar as eleições
8 - Manter a ralé na linha
9 - Consentimento na produção
10 - Marginalizar a população
Não é lindo? Só pela lista já dá pra
imaginar quanta coisa boa vem por aí <3
Princípio 1 - Reduzir a democracia
Basicamente, há uma luta constante entre
forças democratizantes, que costumam vir de baixo (ou seja, de nós, o povo) e
esforços de controle, que costumam vir de cima (ou seja, de gente muita rica e
das grandes corporações). Eu diria que, no momento, estamos no meio de uma
gigantesca onda reacionária. Não tá fácil.
"O interessante é que esse debate tem
uma tradição bem antiga. Remonta ao 1º grande livro de sistema político, Política de Aristóteles. Ele diz: ‘De
todos eles, o melhor é a democracia’, mas aí ele aponta a mesma falha apontada
por Madison (legislador da constituição americana). Se Atenas fosse uma
democracia para homens livres, os pobres se uniriam e tomariam as propriedades
dos ricos. (...) Aristóteles
propôs o que atualmente chamamos de Estado de bem-estar. Ele disse: ‘Reduza a
desigualdade.’ Então, mesmo problema, soluções contrárias. Uma é reduzir a
desigualdade, assim acabará com o problema. A outra é reduzir a
democracia."
Princípio 2 - Moldar a ideologia
Esse aqui é autoexplicativo, né? Taí o
Deus Mercado, cheio de seguidores dispostos a morrer por ele, que não nos deixa mentir.
"Está havendo uma enorme, concentrada
e coordenada ofensiva empresarial que se iniciou nos anos 70 para tentar
reduzir os esforços de igualdade."
Princípio 3 - Redesenhar a economia
Sabe o Leonardo DiCaprio em O Lobo de Wall Street? Ele é um puta de
um babaca, mas parece que isso é o bonito agora.
"Desde os anos 70, há um esforço
concentrado por parte dos mestres da humanidade, os donos da sociedade para
mudar a economia em dois aspectos cruciais. Primeiro, para aumentar o papel das
instituições financeiras, bancos, firmas de investimento, seguradoras."
"Esse fenômeno é chamado de
financeirização da economia."
"Junto, está a realocação da
produção. O sistema de comércio foi reconstruído com um design bem explícito de
colocar trabalhadores competindo entre si no mundo todo. E isso leva a uma
redução na parcela de renda por parte dos trabalhadores."
"E, claro, o capital é de livre
movimentação. Os trabalhadores e o trabalho não podem se mover, mas o capital
pode. Voltando aos clássicos, como Adam Smith, como ele indicou, a livre
circulação do trabalho é a fundação de qualquer sistema de livre comércio, mas
os trabalhadores estão presos."
E, claro, não vamos nos esquecer de sempre alimentar o medo.
"Manter os trabalhadores inseguros os
manterá sob controle. Eles não vão pedir salários decentes, boas condições de
trabalho, ou a oportunidade de associação livre, de sindicalizar. Para os
mestres da humanidade, tudo bem. Eles ganham seus lucros. Mas para a população
é devastador."
"Esses dois processos,
financeirização e realocação, são parte do que leva ao círculo vicioso de
concentração de renda e de poder."
Princípio 4 - Deslocar o fardo
Coitadas das grandes corporações
multibilionárias. Quem vai pagar os impostos? Acertou. Você.
"Durante o período de grande
crescimento da economia, nos 50 e 60, mas, na verdade, antes disso, os impostos
sobre os ricos eram bem maiores. Os impostos corporativos e sobre os dividendos
eram bem mais altos, os impostos comuns sobre riqueza eram bem maiores. O sistema
de impostos foi reprojetado para que os impostos pagos pelos muitos ricos sejam
reduzidos e, em contrapartida, o fardo dos impostos aumente para o resto da
população. Agora há uma mudança para tentar manter os impostos só sobre
salários e consumo, o que todos têm que pagar, não algo como dividendos, que só
cabe aos ricos."
"Se você quer aumentar os investimentos,
dê dinheiro aos pobres e trabalhadores. Eles têm que sobreviver, então gastam
suas rendas. Isso estimula a produção e o investimento, leva a aumento de
empregos e assim por diante."
"As grandes corporações americanas
deslocaram o fardo de sustentar a sociedade para o resto da população."
Princípio 5 - Atacar a solidariedade
Acho que essa é a mais cruel de todas. E como tem gente adotando esse tipo de pensamento. É comum dizerem que simplesmente não dá pra pagar a conta da previdência. O que faz então? Deixa o povo morrer de fome?
"A solidariedade é muito perigosa. Do
ponto de vista dos mestres, você só deve se preocupar consigo, não com os
outros.
"A seguridade social é baseada em um
princípio de solidariedade. Solidariedade, se importar com os outros. A
seguridade social significa: ‘Eu pago impostos sobre salários para que a viúva
do outro lado da cidade possa receber ajuda para viver’".
"Não há muita utilidade para os muito
ricos, então há uma tentativa combinada de destruí-la. Uma das formas é
retirando os fundos. Você quer distribuir um sistema? Tire os fundos dele.
Então, ele não funcionará. Todos ficarão bravos. Vão querer outra coisa. É uma
técnica padrão para privatizar um sistema."
Veja o que fazem com a USP, com o Sistema
de Saúde, com as escolas públicas. É exatamente isso.
Princípio 6 - Controlar os reguladores
Sabe todas aquelas crises? Quem as
causou é quem faz as leis.
"Toda vez, o contribuinte é chamado
para socorrer aqueles que criaram a crise, de forma crescente, as instituições
financeiras. Em uma economia capitalista, você não faria isso. Em um sistema
capitalista, isso acabaria com os investidores que fizeram os investimentos de
risco. Mas os ricos e poderosos não querem um sistema capitalista. Eles querem
poder correr para o Estado paternalista ao terem problemas e serem socorridos
pelos contribuintes. Chama "Grande Demais para Quebrar".
"Enquanto isso, para os pobres,
deixem os princípios de mercado prevalecerem. Não espere ajuda do governo. O
governo é o problema, não a solução. Isso é, essencialmente, neoliberalismo.
Tem um caráter dualista que remonta à história econômica. Um conjunto de regras
para os ricos. Regras contrárias para os pobres."
Princípio 7 - Controlar as eleições
Há inúmeras formas de se fazer isso,
financiamento privado de campanhas é apenas uma delas.
Princípio 8 - Manter a ralé na linha
Sindicatos têm muitos problemas, mas eles
desempenham um papel importantíssimo na democracia.
"Um dos motivos principais dos
ataques concentrados, quase fanáticos a sindicatos e movimentos trabalhistas, é
que eles são uma força democratizante. Eles fornecem uma barreira que
defendem os direitos dos trabalhadores, mas também os direitos populares. Isso
interfere na prerrogativa e poder daqueles que possuem e gerenciam a
sociedade."
Princípio 9 - Consentimento na produção
Consumismo, motherfucker!
"Ficou claro, há um século, que não
seria tão fácil controlar a população à força. (...) Então era preciso ter outras
formas de controlar. E era de conhecimento e expresso que você tinha que
domá-las controlando suas crenças e atitudes. Uma das melhores formas de se
controlar pessoas em termos de atitudes é o que o grande economista político
Thorstein Veblen chamou de fabricar consumidores."
"A ideia é tentar controlar todo
mundo, transformar toda a sociedade no sistema perfeito. O sistema perfeito
seria uma sociedade baseada em uma díade, um par. O par é você e seu aparelho
de TV, ou, talvez agora, você e sua internet, que lhe apresenta o que deveria
ser a vida apropriada, que tipos de engenhocas você deveria ter. E você passa
seu tempo e esforço para obter essas coisas que não precisa, não quer e talvez
jogue fora, mas essa é a medida de uma vida decente."
Princípio 10 - Marginalizar a população
Quando a gente descobre que não tem voz:
"Isso levou a uma população brava,
frustrada, que odeia instituições, que não está agindo construtivamente para
reagir a isso. Há mobilização popular e ativismo, mas em direções bem autodestrutivas.
Está tomando a forma de raiva sem foco, ataques uns contras os outros e em
alvos vulneráveis. É o que acontece em casos assim. Corrói as relações sociais,
mas esse é o objetivo. O objetivo é fazer as pessoas odiarem e temerem umas às
outras, e se preocuparem só consigo mesmas, não fazer nada para os outros.
Diante de tanta manipulação de primeira, o
que podemos fazer? Chomsky termina citando Howard Zinn:
"O que importa são os incontáveis
pequenos atos de pessoas desconhecidas, que fundam as bases para os eventos
significativos que se tornam história."
O caminho é a microrresistência. Vamos à
luta!
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